8 de dezembro de 2019

UM TAROT PARA OXUM

The Ghetto Tarot
Alice Smeets & Atis Rezistans


Todo ouro veio do céu, há muito e muito tempo. 

Mas todo ouro, dizem, é da maior feiticeira que Iemanjá poderia ter parido — a mãe do mel, a abelha mais brilhante. Oxum, senhora doce das águas, rainha dos afetos. É dela a carne dos apaixonados, a cabeça dos dedicados e o coração dos poetas. No oratório que é o seu ventre aberto estão as possibilidades. Tudo pode aquele que se banha no perfume da orixá mais forte — porque o amor é invencível em qualquer batalha. Iyá de mim, no quintal no domingo bem cedo. E se escolho o jardim em que anoitece por último, posso bem dizer: o céu de Oxum é um céu de estrelamento.


Um Tarot para Oxum é mensagem. É como se Ela própria embaralhasse e se derramasse nas cartas a fim de falar francamente aos despertos. Oráculo é coisa de Oxum, Oxum que encantou Exu para lhe ensinar a ler os búzios e os obis. Porque a beleza anda junto com o segredo — e é dourado o couro do destino. E se vem ao meu Tarot para erigir um palácio, Oxum toca n’A Estrela. A arcana mais bela. Falemos, aqui, de predestinação. O que deve ser feito deve ser claro: a nudez simboliza a verdade, e seu espelho mira o âmago. O arcano 17 pede capricho e sensatez ao encarar o que vem sendo procrastinado. Nos deixamos levar pelas delícias do caminho. Enquanto isso, há muito trabalho a fazer, repare. Oxum não cessa de lançar feitiços, dentre eles o melindre e a dispersão. Por isso, foco e manejo para tecer dias melhores, repletos de rosas amarelas. Em seus braços tudo é providência. Até as mais cortantes aflições.



Convém começar a limpeza final — Oxum exige tudo limpo, em todos os seres, sentidos e estares — para adentrar 2O2O com boa sorte, fartura e afeto. Lavar as mágoas, esfregar os ódios. Doar o que não usa, livrar-se de tanto lixo {por mais que extraordinário} e dar-se àquilo que deve ser feito da melhor {e mais bonita} maneira possível. Estar por inteiro a quem precisa de amor, em gesto, palavra e louvor.



Oxum é toda mulher.
É cada homem que se curva ao brilho. 
E todo ouro é de Oxum. 
Ouro que mais vale. 

Ouro que é você.



ORA YE YE Ô!

4 de dezembro de 2019

UM TAROT PARA IANSÃ



Acerca do verso “encanta, mãe, o meu ofício de raio”, abro as palavras para aventar significados. Eles vêm de quem o lê. Mas ofício de raio é escrever, que faz descer a divindade ao papel ou à tela, queimando os olhos e acendendo tudo. Escrever é ritual; ler é comungar. E o oráculo é o jardim propício em que as forças — essas forças — convergem.

Para um Tarot regido por Oyá, respirei fundo enquanto olhava as nuvens de chumbo. Uma carta pulou do baralho com alguma rispidez. Vi qual era, entendi o recado, misturei com as demais e continuei embaralhando. Minutos e mais minutos pensando no que deve ser escrito a respeito do que deve ser considerado neste momento, em todos os seres e estares. Parei, respirei o cheiro aberto do tempo nublado e cortei. De novo o mesmo arcano — escolhido por ela, é claro: A RODA DOS VENTOS, A MÁQUINA DA FORTUNA.

E não é que neste 4 de Dezembro, em meio a torres desmoronando e outras aguentando firme, no tempo bom tempo ruim, o décimo arcano do Tarot vem como rajada clareza a respeito do que passa e do que fica? Pense bem no que deve ser cortado e no que deve ser mantido. Com esse presságio, saibamos que nossa destreza receberá o sorriso de Oxum, Iyá de mim. Mas se algo desata ou desanda, prudente é encarar os medos e proteger-se de todo mal — mal que nós mesmos empinamos no céu da vida.

Estamos em guerra longa contra ignorância e injustiça, e só uma postura genuína de coragem nos apruma na tempestade. Somos nossa família, nossa política, nossa casa, nosso espírito, nossa voz. Somos quem canta no pior momento, mas ainda assim encantamos. Aqui se fala de resistência, de enfrentamento em nome da liberdade e da beleza. Por isso tão justo esse ofício. De ser coração sem deixar de ser lâmina.

Há tanto sagrado ao redor que só o trovão e a gira para que acordemos, não é? Então acorda e repara. Porque a Senhora passa, pousa no aro do Destino e, com a sagrada força das rosas, bem rente à espada, nos convoca sem demora: 

FAÇAM VENTANIA. E DANCEM.




Meu nome é Leo Chioda e eu vos escrevo. A imagem é composta por uma gravura de Pedro Rafael, presente no livro Mitologia dos Orixás, de Reginaldo Prandi, publicado pela Companhia das Letras. A RODA DA FORTUNA é uma iluminura da incrível Carola Trimano, do Ateliê Pássaro de Papel.

19 de junho de 2019

STALKER


















Precaução nunca é demais. Provavelmente alguém já te perseguiu ou ficou no seu pé sem motivo aparente ou relevante. Ou então, devido a alguma situação ou detalhe ínfimo, alguém parece ter criado um laço com você. Ou ainda, quem sabe, alguém te pegou pra Cristo a ponto de te causar medo da presença ou das possíveis atitudes dessa determinada criatura. 

Isso é mais comum do que pensamos, já que estamos rodeados de gente desequilibrada ou, simplesmente, sem noção. Foi levando isso em conta, em meio a abordagens estranhas de pessoas mais estranhas ainda, que decidi compartilhar este método rápido. Ele poder ser útil para saber com quem estamos lidando, o que tende a acontecer e o que devemos fazer em relação a determinada pessoa. 

Não nos custa, enquanto oraculistas, analisarmos alguns pormenores para lidar bem com posturas invasivas, ofensivas e até mesmo perigosas. Mas se você não é um profissional do Tarot, consulte a nossa agenda de leituras


ENTÃO PREPARE-SE

Você pode misturar Arcanos Maiores e Menores, usar só os Maiores ou combinar um Maior e um Menor para cada posição. No exemplo de leitura (confira abaixo!), misturamos os 78 arcanos. 

Atente à temporalidade estipulada — do dia da leitura até 3 meses — para a validade da consulta. Se quiser para um período mais curto, determine isso antes de sortear as cartas.   






UM CASO (A SER ESTUDADO)


Comecemos por nomes e termos indefinidos para a preservação absoluta das identidades. Há muito tempo, Rafa, adicionou meu consulente no Facebook para conversar sobre literatura e publicação de livros. Duda, o par romântico de Rafa, também o adicionou. Meu consulente e Rafa conversaram sobre os tais assuntos, pelo inbox do Facebook, até que um dia Rafa passou a mandar mensagens estranhas, de duplo sentido — como se houvesse ali uma amizade de longa data, com intimidade e possibilidade de algo mais. 

Meu consulente se manteve neutro, respondendo apenas ao que dizia respeito a livros e afins. Dias se passaram e Duda procurou meu consulente dizendo que não estava entendendo porque ele (meu consulente) estava assediando Rafa com tanta frequência, questionando se ele não se lembrava de que Rafa era bem casado(a) e tal. Meu consulente estranhou e limitou-se a responder que não estava entendendo lhufas, mas que torcia pela felicidade deles. Fim. 

Será?

Muitos anos depois, Rafa já havia sumido da face da terra e Duda, sempre em silêncio no Facebook (e sem estar em um relacionamento afetivo), encontra meu consulente em uma feira de comida vegana. Aproxima-se como quem vê um amigo amicíssimo e vem suplicar perdão pelo mau entendido de, sei lá, 6 anos atrás. Meu consulente então relembra o caso (com dificuldade, claro), estende a mão pra deixar a bobagem onde bem estava (lá atrás) e Duda o puxa para um abraço, apertando e agradecendo com insistência chata. “Ai ai, amigos, então?” Meu consulente consente, meio assustado, e Duda se despede com um sorriso estranho. 

Pode não parecer, mas imaginar a cena enquanto ele contava foi um tanto apavorante. E justo eu, com uma senhora Lua em Escorpião — que reprova toda e qualquer postura maluca ou cretina, e com faro infalível para gente obcecada e obsessiva —, tratei de esboçar o método acima para ver se havia (ou haveria) algum caroço nesse angu. E o resultado você acompanha aqui embaixo. 

Coragem, vamos lá.






1 QUEM É ESSA PESSOA 
O LOUCO
Eu tremi na base assim que deitei a carta. “Pronto, é doida de pedra”, pensei alto, imaginando alguém capaz de tudo. Mas nunca se julga uma leitura completa por uma carta apenas. Muito menos uma pessoa. Embora o primeiro arcano sorteado tenha um peso considerável, só depois de conferir todas as cartas e se demorar na análise delas é que se pode ousar tirar certas conclusões sobre algo (ou alguém) que não parece normal. Aliás, quem é normal? Você é? 

Bem, O LOUCO aqui mostra as desmedidas de Duda, o destempero, a insegurança ao tatear as coisas. Por mais que possam florear a imagem arquetípica do Arcano Sem Número, ela continua sendo fonte de instabilidade, de equívocos e de inconsequência. Ficou claro que Duda não terminou bem o relacionamento com Rafa, meio que batendo cabeça para tentar reparar os erros que, pelo visto, se arrastam até hoje. 

2 COMO ME VÊ \ QUE SENTIMENTOS NUTRE 
OITO DE ESPADAS
A primeira impressão que o Oito de Espadas causa é negativa. Nesse caso foi pra lá de péssima, como se Duda estivesse querendo sequestrar, matar ou torturar meu consulente. Algo assim, com requintes de crueldade. Mas uma análise apurada (ou apenas sensata, sem afetações) permite entender que Duda está presa aos erros, atada às loucuras que deve ter feito em nome do amor por Rafa. 

Ainda que se veja de modo turvo, ela enxerga meu consulente como uma espécie de pessoa incorruptível, serena, que vale a pena. Uma pessoa pessoa que não merecia ter caído nas lâminas do seu ciúme descabido, mas caiu e sujou as próprias mãos. 

3 O QUE QUER DE MIM OU COMIGO
RAINHA DE PAUS 
Respiro com algum alívio e digo ao meu consulente que a intenção não é tão ruim como parece. A Rainha De Paus indica aqui a vontade de ser amiga de verdade, de participar com frequência da vida de meu consulente, que é uma pessoa influente no meio literário. 

Ele confirmou que parece ser bem isso, já que Duda ainda é sua amiga no Facebook e o segue, sempre curtindo postagens sobre livros etc. Ufa. Menos mal. Mas ainda não acabamos.

4 O NÍVEL DA AMEAÇA
OITO DE PAUS
Se a partir da terceira posição comecei a tranquilizar meu consulente — sempre paranoico (e com razão) com gente pessoas desequilibradas —, com o Oito De Paus ambos respiraram com alívio: embora sejam oito bastões sendo lançados com rapidez, a eficácia de qualquer tentativa de vingança é nula. 

Não há, neste estágio de Paus, qualquer intenção maléfica por parte de Duda.

5 O QUE FARÁ EM RELAÇÃO A MIM
O EREMITA
Um eremita pode ser bem um stalker, mas não entramos em piras. Disse ao meu consulente que a provável postura de Duda será a já conhecida relação de Facebook, nada além disso ou de um aceno de mão (ou um abraço paralisador!) na feira de comida ou pelo bairro. Mas como estamos projetando um presságio com validade de três meses, O Eremita aponta para um acompanhamento sempre discreto e silencioso por parte de Duda: nada escandaloso nem invasivo como foram antes. 

A verdade é que a pessoa nem se mostrará direito. O arcano é lento, tem poucas vantagens em uma batalha (a idade avançada do arcano simboliza fragilidade) e não se meterá a qualquer abordagem direta. O Eremita é a pessoa solitária, como bem parece ser Duda, que quer apenas levar luz onde antes havia treva. 


6 QUE DEVO FAZER \ COMO ME PROTEGER
O PENDURADO
“Tem que rezar muito!” Brincadeiras a parte, O Pendurado aconselha meu consulente a ver Duda com outros olhos, por mais descabidas que tenham sido suas atitudes. Considerar que Rafa pode ter agido de modo cruel ao distorcer as coisas para Duda acreditar que meu consulente é quem a estava assediando nos coloca no lugar de uma pessoa enganada. 

O homem de ponta-cabeça do Tarot sugere torcer para que Duda fique bem, continuando a agir de modo gentil, mas sempre distante. Meu consulente e Duda não são amigos nem provavelmente serão, mas sabendo que meu consulente é uma pessoa pública, o Tarot orienta a agir como se Duda fosse uma cliente, uma espectadora, uma seguidora (de perto) de seu trabalho. 


EPÍLOGO

Ainda estamos analisando os movimentos futuros de Duda, mas o trabalho massivo é com o meu próprio consulente: por que essa situação, por mais invasiva que tenha sido, o incomoda tanto a ponto de trazer para a sessão de leitura oracular? 

O que pode ser feito para amenizar o susto — ele já passou por bons maus bocados em relação a assédio, daí a minha anuência em analisar o caso — é encarar cada pessoa que se aproxima como um universo em si. Toda leitura de Tarot incita essa visão, mas alguns casos, como esse, são mais propícios. É nítida a tristeza de Duda diante da situação com Rafa e com meu consulente, e às vezes o melhor a ser feito é justamente o bom e velho nada. 

Embora um mapeamento como este possa suscitar cada vez mais medos em relação a estranhos, ele pode servir como um medidor a respeito de nossos receios e como comprovante de que o perigo pode ser menor do que promete. Precaução nunca é demais — dá-lhe patuás a torto e a direito! — mas tanto as nossas cismas podem ser exageradas demais quanto um cão ladrando pode ser apenas um blefe: inofensivo assim que mostramos os nossos dentes de volta. 

Mas o método fica registrado para quando alguma perseguição for claras o bastante para nos preocupar. É tateando possibilidades que passamos a agir com mais cuidado em relação ao que fazemos, à atenção que dispomos aos outros e como somos interpretados. O Tarot, como aliado, é feito para nos alertar e nos ajudar a agir pelo nosso bem. 



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