24 de junho de 2017

SANGUE E LEITE

ALKAMA
(Alquimia)

Frederic Fontenoy


É impossível ter todos os baralhos e todos os livros já escritos sobre Tarô. São vários séculos de evolução simbólica. Séculos de perdas e acréscimos. Mas o vínculo entre as pessoas dadas às cartas e o conhecimento assimilado são suficientes para proporcionar novos encontros, fazer associações cada vez mais ricas e revisitar certas práticas refutadas ao longo do tempo. Porque com poucos títulos e breves encontros vislumbra-se a Grande Obra. 


PEDRA FILOSOFAL
Harmonie Chymique

David Lagneau, 1636

Grata surpresa foi a presença do artista Robert M Place em São Paulo. O responsável por diversos baralhos como o Alchemical Tarot, o Tarô dos Santos e o Burning Serpent Oracle esteve em São Paulo para a segunda edição do Cartomancia, um  dos maiores e melhores eventos de Tarô no Brasil. Mesmo havendo alguns de seus livros em minha biblioteca tarológica, ver Place aplicando seus métodos de leitura foi inspirador. Assistir à sua aula de Alquimia e Tarô foi como voltar para casa depois de uma longa viagem. Talvez porque um baralho alquímico reforça a metáfora sobre os processos humanos; porque restaura, como quer James Hillman, pai da Psicologia Arquetípica, o modo alquímico de imaginar. Ele considera cada tiragem, composta de três cartas, no mínimo, como uma única cena. São respeitadas as direções para onde olham as personagens e para onde se voltam os objetos das cartas sorteadas. É uma forma de revitalizar a leitura oracular ao resgatar a linguagem corporal dos arcanos — uma prática não mais adotada pela maioria dos profissionais, não ensinada em cursos e quase nunca citada em workshops de Tarô. Lembro, aqui, de um axioma presente no Amphitheatrum Sapientiae, de Heinrich Krunrath (1602): “Para quê tochas, luzes e óculos se as pessoas não vêem?” 


Nos apegamos aos conceitos e às posições das cartas e damos de ombros à inclinação da cabeça d’O Louco ou ao olhar d’O Mago. Nem nos perguntamos mais se A Justiça nos olha ou se é cega, de fato — comumente desenhada encarando o leitor e o consulente. Uma análise de relacionamento feita por Place pode ser extremamente auspiciosa ao colocar uma ponte entre as duas pessoas envolvidas: o que as une, o que elas têm em comum. E a tríade arcana pode sugerir, ainda, uma história linear ou um relacionamento fadado ao fracasso. Tudo depende do posicionamento e do valor simbólico das imagens. Estamos de volta à cartomancia dos livros herméticos de Paris, das sibilas em seus salões e dos imagiers de Wirth. 

É instigante aprender com um artista cuja argumentação, bastante sólida, se aplica de modo sensato à bagagem de um praticante. Ele sabe que, como a Alquimia dos antigos, a sua arte é uma experiência de transmutação. E o Tarô é essa ferramenta de transformar o elemento básico em metal valioso — de tornar o cifrado em algo óbvio e útil. Pensar e agir por meio de imagens. Exemplo é o contexto simbólico do uso das três cartas, tratado com respeito a partir do seu significado arquetípico. Para os pitagóricos, três eram os pontos necessários para fazer a primeira forma geométrica e assim começar a criação. A existência em si, para eles, era governada por três deuses: Zeus, Possêidon e Hades. Já os alquimistas acreditavam que toda matéria é composta de uma trindade de essências. O mesmo ocorre em qualquer sentença, como bem sabemos: uma frase completa pressupõe um sujeito e um predicado. E ainda é preciso uma terceira parte: o objeto. Assim como uma história, com o seu começo, o seu meio e o seu fim, pode-se sortear três cartas e compor uma narrativa. 

TRÊS CARTAS
The Alchemical Tarot Renewed: 4th Edition

Hermes Publications, 2015

Penetrar na Alquimia. Enquanto reconsiderava em mil variações a tão saturada leitura de Passado-Presente-Futuro, minha atenção se prendeu à imagem d'A Estrela, uma das minhas cartas favoritas no Alchemical Tarot. Uma imagem arquetípica, embora se apresente repleta de significado, não é uma simples revelação. Daí o termo 'arcano' ainda tão bem aplicado. O significado deve ser elaborado, também de acordo com Hillman, através do 'trabalho com a imagem'. Place transforma a donzela nua dos baralhos tradicionais na Sereia dos Filósofos e funde os astros na aurora com a  Escada dos Planetas, ambas as pranchas provenientes do L'Azoth des Philosophes, texto alquímico de Basil Valentin. Esta figura mítica, tão rica em significados quanto misteriosa, personifica a grandeza e a profundidade do mar. Vem nas ondas de todos os panteões como a dona dos segredos da água. Em termos alquímicos, é a representação da Anima Mundi.


A SEREIA DOS FILÓSOFOS
Azoth des Philosophes

Basil Valentin, 1659



O propósito da obra é a proposição em si. Aliás, a própria Anima Mundi foi quem exigiu que o Alchemical Tarot fosse publicado, afirma Place. Ela é quem fala através das cartas, não eu.  No lugar das duas ânforas d'A Estrela clássica, a sereia pinça seus seios. Ela verte sangue e leite — os líquidos opostos que, combinados com a água salgada, formam a Tria Prima: Sulfúreo, Mercúrio e Sal, três tesouros para compor a Pedra Filosofal. O jorro vermelho é o masculino, relacionado ao sofrimento, à morte e ao medo. Já o branco é o feminino: o alimento, a vida e a esperança. 


O corpo da sereia simboliza, literalmente, a fonte da existência. É dela o estado de calma que vai além das emoções e dos anseios: a tranquilidade necessária para subir os degraus planetários. A estrela de sete pontas, marcada com outro símbolo da Anima Mundi, remete aos portões do Paraíso. Assim, Place compõe este arcano como uma guia ao mais alto estágio de consciência. A mestra, a portadora do equilíbrio e do bem estar. É a Mãe Serena. Afrodite, ela mesma, conforme a presença da pomba ao seu lado esquerdo. Stella Maris. A própria Deusa Branca de Robert Graves. Sophia nas próprias águas.


A LEITURA DOS FLUÍDOS

ALCHIMIA
Collectanea 
Chymica
Morley & Muskens, 1693

Repenetrar no Tarô. Não se pode ter tudo, mas tem-se o que é necessário. Contrariando toda e qualquer cobiça, a excelência é atingida com o que se tem e por quem  se é. Aproveito as lições da aula de Place para experimentar alguns métodos de interpretação [porque com três cartas se tem um presságio, uma diretriz, uma revelação; porque do improviso, que nada tem de mundano, se chega à Magnum Opus]. O laboratório tem o teto estrelado. Eles está em mim e em você.

The Rider-Smith-Waite Tarot — US Games, 1971
Tarot de Marseille — Camoin & Jodorowsky, 1997

The Tarot of Prague — Baba Studio, 2003

Tanto os seios da sereia quanto os seios da donzela nua de todo e qualquer Tarô representam a fonte. Seios são símbolos de provisão. Estão ligados simbolicamente ao mar e à mãe. As mamas, a figura materna e as coordenadas marítimas convergem para a assunção e a proliferação da vida. O fluxo é profuso. Peças fundamentais da Alma do Mundo. Nos procedimentos alquímicos, os seios são tanto criativos quanto destrutivos. Deles vêm o elixir e o veneno. Segundo alguns psicoterapeutas como Melanie Klein, há o seio que fornece e o seio que retém. Um é o Sol; o outro é a Lua. Place, para a alegria dos bons estudiosos, concebeu sua Estrela de acordo com todos esses princípios. O mesmo acontece com o verso da quarta edição do Alchemical Tarot, que é a releitura de uma antiga personificação da Alquimia: seus cabelos são o Fogo; seus olhos são o Sol e Lua; em seus braços estão os animais fixos e voláteis; sua respiração é o Ar; seu vestido sustenta os sete metais e de seus seios brota a Água da Vida. 

Durante meus estudos recentes, passei a aplicar uma sugestão do próprio Place quando emerge A Estrela em uma leitura: colocar uma carta à sua esquerda e outra à sua direita. Quando olha para os seus próprios seios, ela sabe que o esquerdo é o feminino e o direito é o masculino. O esquerdo é o lado branco, do inconsciente. A poção da imortalidade. O direito, que expele sangue, está ligado à consciência, à ação. Em outros termos, o branco merece discernimento e o vermelho exige atitude.  Dois dutos, dois Phármaka. 



O arranjo é rápido e significativo. A carta posicionada à esquerda d'A Estrela, no lado associado ao jorro vermelho, representa os temores do momento ou diante da questão trazida ao oráculo. Já a carta da direita, ao lado do jorro leitoso, representa as esperanças. Uma outra experiência é assumir o arranjo simbólico d’A Estrela como modelo para a leitura de três cartas. O assunto a ser tratado é simbolizado pela carta central. O arcano à esquerda sugere a reflexão necessária sobre os percalços ou os limites. À direita, por fim, o conselho a ser acatado e a postura a ser fortalecida. Esta etapa, na Alquimia, é o batismo, a purificação do negro mais negro. Marie-Louis Von Franz, em conferência transcrita no livro Alquimia [Cultrix, 1993], cita uma parte do Aurora Consurgens, um dos manuscritos mais emblemáticos e enigmáticos da historia da Alquimia: depois de distribuir e atribuir estes sete [metais] através das sete estrelas, e as tiver limpado nove vezes até que pareçam pérolas, este é o estado de brancura”. N'A Estrela, o primeiro corpo celeste em destaque nos Arcanos Maiores, se alcança a claridade. Albedo.




UM EXEMPLO DE LEITURA

Porque exemplos tonificam a prática. O consulente veio a uma consulta para saber quais rumos tomarão a sua empresa, aberto ao que cartas poderiam sugerir, confirmar ou exigir. Sorteou, então, O Hierofante, O Eremita e A Imperatriz.


Se começo lendo como uma narrativa linear — um dos sete padrões descritos por Robert Place para a disposição em três cartas — os arcanos sugerem uma postura resoluta e aparentemente impecável em relação ao próprio trabalho, aplicando com maestria seus princípios à demanda comercial. A carta central, considerada a mais importante por Place, sugere o seguir à risca as ordens de uma autoridade ou mesmo uma ideologia. Dentre as delícias visuais do Alchemical Tarot estão as pegadas à frente do velho sábio. Elas são os rastros da própria Anima Mundi — um exemplo a ser seguido, literalmente — que levam à mulher coroada, senhora da razão e digna da visão. A imagem, presente na obra Atalanta Fugiens, do médico rosacruz Michael Maier, publicada em 1618, também se encontra no Musaeum Hermeticum, de 1625. Foi reimpressa em 1687 com o título Secretioris Naturae Secretorum Scrutinium Chymicum [Investigação Alquímica dos Mais Ocultos Segredos da Natureza]. Em um desses epigramas, referentes à imagem do eremita-alquimista, o conselho é explícito: “Deixai que a Natureza seja o vosso líder, e por este meio sereis prazerosamente o servo da natureza; caminhais a esmo, a menos que a própria Natureza seja a companheira da nossa vida. Dai à razão a força do cajado; a razão intensifica a luz que pode distinguir aquilo que está muito distante. Deixai que a leitura com uma lâmpada transforme as trevas em luz, de modo que possais prever e vos proteger contra muitas coisas e palavras.”

Sendo O Eremita o arcano central e também o meu consulente, a leitura do arranjo visual incita um deslocamento. Ele segue os passos, então, d’A Imperatriz, o arcano final. Apoiado no vaticínio extraído dai interpretação PASSADO-PRESENTE-FUTURO, o papai-mamãe da Cartomancia, prenunciei a influência direta de uma mulher repleta de ideias e potenciais exigindo parte do controle sobre os negócios. O empresário não deixará valores e convicções de lado, mas passará a acatar as sugestões de quem olha para frente, de quem pensa aqui e agora para longe e mais além — sair do seu templo [Hierofante] e experimentar a caminhada [Eremita] até o horizonte vislumbrado pela sua soberana [Imperatriz]. De fato, meu consulente consentiu a respeito do comando de boa parte dos investimentos por parte da esposa, tanto pelos ideais de expansão do negócio e de uma aposentadoria tranquila quanto à carreira do filho, que pretende entrar para o mesmo ramo — aliás, ele próprio presente na carta (!) aos pés da mãe. Sucesso a caminho. Em família. 

O valor da leitura aumenta com as noções de Sangue e Leite. O consulente deve sacrificar [carta à esquerda] a irredutibilidade d’O Hierofante. Achar que a esposa não sabe ou não pode dirigir os negócios da família é uma postura típica de alguém soterrado pelas próprias convicções e pelo senso de moralidade que beira o machismo. À direita, a carta assegura o que deve ser alimentado: o respeito e os esforços d’A Imperatriz em querer administrar os caminhos profissionais, com sensatez, assertividade e previdência. Dar razão à esposa. Um panorama, uma sentença, um prognóstico. Um recorte do mundo em três cartas.

Virtuoso é perseguir a Quintessência, outro nome alquímico para o advento máximo — a Anima Mundi, tão estimada. No âmbito tarológico, alguns dão esse nome à soma da numeração das cartas presentes uma leitura. No caso desta, os arcanos 5, 9 e 3 resultam em 17, A Estrela. Providencial, não? 



O EREMITA SEGUINDO OS PASSOS DA NATUREZA
Musaeum Hermeticum

1625

O objetivo do estudo da Alquimia aliado ao Tarô é congruência, a adaptação mútua. Não se trata de uma linguagem rebuscada de imagens antigas em cima de imagens também antigas. É fazer e estar em contato. Receber mensagens. Tenho repassado alguns conceitos dos livros e baralhos criados por Place. Sua tese é repaginada a cada publicação, com adendos e revisões sistemáticas dos métodos de leitura e da teoria dos símbolos. Mergulhar em temas como o Neoplatonismo e a Cabala, por exemplo, tem sido seguro porque o escritor oferece caminhos bem neutros através das próprias ilustrações, sem preconceitos nem fatalismo. Os sistemas adotados ou desenvolvidos em vários de seus trabalhos convergem na figura d'O Mundo, que é a Grande Obra alcançada. O trunfo XXI é a Quintessência, o processo completo da Alquimia — a Anima Mundi absolutamente exposta. Recompensa. Coroamento. A Pedra Filosofal.

Tarot of the Saints — Llewellyn, 2001
Alchemical Tarot — Hermes Publications, 2007

The Tarot of the Sevenfold Mystery — Hermes Publications, 2012

O número 21 reduzido a três [2+1=3], conforme pontua Place, evoca a Senhora do Mundo Terreno — A Imperatriz. Três são faces da Grande Mãe. Três é o conceito que une o par e supera a polaridade. Três são os hieróglifos da alma sobre a mesa. Três cartas. Retomar conceitos práticos [e simples!] da linguagem simbólica é uma postura saudável diante de tantos verdades disponíveis e tantas ditaduras em relação aos significados e ao funcionamento do Tarô. Precisa-se de pouco para haver uma revolução simbólica. Com poucos recursos e muitos esforços se atinge a meta. Assumir uma postura disciplinada em relação ao que já existe na estante é o mesmo que descobrir aqui e agora o tesouro mais cobiçado de uma terra longínqua. E reaprender a olhar as imagens é tão desafiador e fascinante quanto mergulhar nas águas da Grande Imagem Primordial. É como voltar para casa e fazer uma lição esquecida, esperando por correção. E ter nos baralhos e nos livros um mestre generoso, iluminado pela eloqüência. Talvez Place tenha acatado à pérola de Pietro Bonus, alquimista italiano do século XIV:

Qual a utilidade, para o mundo, de diamantes escondidos ou de tesouros secretos? Qual a utilidade de uma vela acesa quando escondida? É o inato egoísmo do coração humano que faz essas pessoas buscarem um pretexto pio para manter esse conhecimento longe da humanidade. 

Retificar, pela Alquimia, a linguagem dos símbolos. Compartilhar o conhecimento. Se essa arte é uma experiência de transmutação, como bem sabe Robert Place, o Tarô é o instrumento mais adequado às mãos do buscador. Através das cartas, revela-se. Tudo tem alma, dos metais elementais aos Arcanos Menores. Porque é bem assim: quem lê as cartas pode não ter tudo o que quer, mas tem tudo o que precisa — tanto para suscitar a sua própria evolução quanto para operar a transmutação nas pessoas. 

O Universo nas mãos. 





 Para conhecer e encomendar os títulos de Robert M Place, acesse o blog Tarot & Divination.
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10 de maio de 2017

APRENDA A LER O TAROT



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26 de março de 2017

AMPLIANDO A CARTA DO DIA

E quando um só arcano não responde com clareza sobre como será o período estipulado? 
E se uma simples carta parece não ser suficiente para inspirar a melhor postura? 

Segundo os tibetanos, Buda certa vez disse que a mente é limitada para compreender o ilimitadoFaço então uma leve e rápida analogia com o arcano diário, tido muitas vezes como uma carta enigmática porque nem sempre responde à questão formulada ou pouco diz a respeito do que é necessário ser feito para alcançar determinado objetivo. 


Cada carta de Tarot é ilimitada. O arcabouço simbólico contido num simples arcano pode sugerir infinitamente uma série de conceitos, preceitos e respostas. É inesgotável. Sendo assim, uma carta sempre dirá alguma coisa, estejamos preparados para ouvir ou não. Mas só a partir da clara intenção é que é possível contextualizar a mensagem do arcano. A princípio, a carta do dia não necessita de perguntas, mas para ser assertiva em relação ao momento, ela  depende de uma ou várias intenções. Quero saber como será o dia no geral? Quero saber o que acontecerá de bom? De ruim? Quero saber o que devo fazer em relação a algo ou alguém? Deve haver um filtro, um ponto sobre o qual repousamos nossa atenção. Por isso digo que quanto mais pontual for a programação da carta que será sorteada, melhor será o seu aproveitamento.

Uma das possibilidades é a seguinte, já testada e recomendada:




1. DESAFIOS 
O que demanda atenção, o que chama atenção, o que desafia. 
Os possíveis percalços.

2. POSTURA
Como deve ser a postura física, mental e emocional. O real conselho. 
E como está no centro, pode ser considerada a carta mais importante da tríade: é o ouro do dia.

3. OPORTUNIDADES
O que se aprende, o que se ganha, o que se assimila neste dia. 
Possíveis lições ou mesmo conquistas. 


Fácil e rápido, mas profundo. Pode ser feito com qualquer Tarô, naturalmente, mas trago um exemplo com The Buddha Tarot, de Robert Place [Llewellyn, 2004], um dos baralhos temáticos mais interessantes que me fisgaram nos últimos tempos. 





1. DESAFIOS 
Dois de Vajras Duplos [Copas]

As questões afetivas, as alianças e os afetos é que demandam atenção extrema. Alimentar as uniões tende a ser necessário para haver harmonia. O alerta é para que a coerência afetiva se instale. 

O curioso é que, neste baralho, os peixes são um dos Oito Símbolos Auspiciosos do Budismo Tibetano — os presentes que os deuses dão a Sidarta Gautama quando ele atinge a iluminação e se torna o Buda. Os Peixes, tão bem associados à imagem tradicional do DOIS DE COPAS, representam fidelidade, harmonia e predisposição para estarem juntos no oceano, uma das representações do próprio Samsara, a nossa existência aqui e agora.


2. POSTURA
Amitabha: O Buda de Lótus [Rei de Paus]

O Rei de Paus sugere uma postura verdadeiramente atenta, capaz de entender os detalhes e avançar no que denota estagnação. Este é o Rei do ânimo que movimenta a tudo e a todos como que exigindo uma reação à altura da vida: cheia, repleta de situações e chances de aprender e também ensinar. A carta sugere responsabilidade: agir de acordo com a vontade, mas não com a impulsividade. 

The Buddha Tarot apresenta este Rei como Amitabha, um d'Os Cinco Dhyani Budas — que são os curadores supremos do meio ambiente externo e interno. São também chamados de Jinas ou Cinco Budas da Meditação. Cada um deles rege uma família com seu respectivo símbolo. Amitabha, que significa 'luz infinita', é o Buda vermelho da família Lótus, associada ao elemento fogo e arcanizado então como o naipe de Paus. É dito que este buda purifica o carma e o desejo, expandindo os poderes da real percepção e da confiança no que é preciso ser feito ou alcançado. Assim, é Amitabha quem transforma os venenos em águas de cura. Outro detalhe curioso é o animal sagrado da família Lótus, o pavão, abaixo da figura búdica. Cada um olha para o lado oposto, exigindo também atenção ao que deve ser encarado [casa dos Desafios] e como deve ser resolvido e melhor aproveitado [casa das Recompensas]. Sim, a direção e a linguagem corporal das personagens podem ser muito auspiciosas. 



3. OPORTUNIDADES
Ás de Jóias [Ouros]

A recompensa não só se garante como se materializa! O ÁS DE OUROS representar um presente, uma ação concreta que se constata ou se sente. Sugere um gesto ou mesmo um objeto. Assim, a tendência é receber algo em troca pelos esforços ou pela clareza que se alcança a partir da reflexão, da demonstração de afeto e da postura atenta.

Cintamani, a Jóia que concede os desejos, é uma referência direta às Três Jóias do Budismo, que são o Buda [o exemplo em que se pode se inspirar para atingir a iluminação], o Dharma [os ensinamentos, os textos e as pérolas budistas] e o Sangha [a comunidade, o meio em que se vive e se convive]. Essa jóia, claramente associada à ideia de riqueza e de valor, é representada como uma bola repleta de pedras preciosas com uma rampa afunilada no topo. Além de ser tido que ele realiza todo e qualquer desejo, a Jóia é como uma semente: simboliza o que é propício e o que vai além da vida e da morte. 



TRÊS CARTAS PODEM MUDAR MUITA COISA

O ideal é chegar ao oráculo como um propiciador de ações sensatas, como um instrumento para despertar. Por mais que pareça utópico considerar as cartas dessa maneira, é forçoso tentar aproveitar ao máximo a experiência com o Tarot. Mesmo havendo poucas cartas à frente. E mesmo que as intenções sejam consideradas menos nobres, nenhuma pergunta merece o desprezo. Exceto o mexerico, a fofoca, a especulação e a curiosidade vazia. 


No caso do nosso exemplo, podemos dizer que o dia será marcado por divergências afetivas [Dois de Copas na casa dos Desafios] que exigem uma posição atenta e compenetrada ao que realmente importa no momento, sobretudo nas relações mais importantes [Rei de Paus na casa da Postura] para então haver reconciliação, acordo ou harmonia a olhos vistos [Ás de Ouros na casa das Recompensas]. Constatar o equilíbrio após tomar a devida atitude.

De acordo com Robert Place em seus livros e workshops, numa leitura de três cartas é prudente respeitar a cadeia de três arcanos, lendo-as de modo interdependente. Em conjunto. Aproximando a prática oracular dos preceitos budistas, uma carta está associada a outra porque tudo se constrói a partir de causas e efeitos. É auspicioso encarar os três arcanos como uma cena completa. Ainda assim, a carta central é a mais significativa, já que determina uma postura específica a ser assumida durante o período. 

E por falar em período, é preciso deixar claro que as três cartas podem ser programadas, antes do embaralhamento e do sorteio, para alguma outra demarcação de tempo, como um semana, uma quinzena ou um mês. 

Confira, inclusive, o meu Tarot Mensal no Personare. O procedimento é semelhante e você fica sabendo de tudo que está por vir e como deve lidar com as situações.

Lembre-se de anotar ou fotografar as cartas que saem. A sequência deve ser lida e relida sempre que possível para tomar noção de como o período se desenrola e como as cartas o espelham. É importante mergulhar nas imagens, ir fundo nos sinais que elas suscitam e trabalhar os significados tradicionais dos arcanos. Nada será à toa se a intenção e o procedimento forem autênticos. 



Oráculo é auspicioso porque te chama à atitude.
A cada dia. 

Então desperte.




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13 de fevereiro de 2017

OLHE BEM PRO SEU CAMINHO



Tem pessoas que dão uma volta imensa para chegar ao mesmo lugar: estudam, vislumbram um futuro rico e glorioso, se formam e acabam fazendo aquilo que faziam no começo de tudo: aquilo que lhes fascinava. Alguns perseguem o que realmente amam, seja lucrativo ou não. Talvez por necessidade, talvez por preguiça, talvez por destino. Mas muitas vezes é aquele o ofício que lhes define. Seu labor intrínseco. É o que lhes preenche. 
Em consultório, entre conhecidos ou mesmo em viagens, às vezes acabo perguntando, com jeito: quem você pensa que é para julgar a trajetória dos outros? E quem garante, aliás, que essas suas certezas aí são tão firmes assim? Tem gente que prefere o mais caro, tem gente que anseia pelo mais alto e tem gente que prefere o mais simples. E daí? Você vive no lugar de alguém? Corre com as pernas ou nas costas dos outros? Enquanto se repara no que fazem ou deixam de fazer, tem pessoas fazendo esse baita circuito pra descobrirem quem são. E certas elas, viu? Mesmo com dúvidas, elas seguem. E chegam no lugar que devem chegar, cedo ou tarde. Porque é assim. Porque presença de espírito requer andança.

Nobre é respeitar o percurso alheio, na vitória e na errância. Cada um escreve o próprio rastro. Quem disse, aliás, que a vida é só altura ou abismo? Olhar em volta pode ser revelador: você e sua história em longos círculos de providência e promissão. Em vez de desqualificar a evolução ou reparar na 'perda de tempo' das pessoas, melhor é desejar o melhor: abençoar o caminho do outro é um bom passo para valorizar [ou encontrar] o seu próprio.

E se você não sabe quem você é, aperte o pé. 
Dá tempo.


 © Leo Chioda {http://goo.gl/Qd70ao} 

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