Proserpina Dante Gabriel Rossetti, 1874 Tate Britain, Londres |
Mas la granada es la sangre,
sangre del cielo sagrado,
sangre de la tierra herida
por la aguja del regato.
Sangre del viento que viene
del rudo monte arañado.
Sangre de la mar tranquila,
sangre del dormido lago.
Canción Oriental | Federico García Lorca, 1920
Qual é a cor predominante do fruto d'A Sacerdotisa?
O segundo arcano maior é uma imagem de grande poder no Tarot. A Mãe Celestial. Pudica, permanece prostrada entre as colunas mais famosas de toda a literatura esotérica — B e J, o chiaroscuro dos dentros. Madame da polaridade, senhora do presságio. Shekinah, misticamente falando. The higher and the holiest of the Greater Arcana, segundo o próprio Waite. Claro que todos os arcanos são fortes em suas potencialidades simbólicas, é sabido. Confesso que A Sacerdotisa é uma das minhas figuras arquetípicas prediletas. Precedendo A Temperança e A Força, é a feiticeira mais poderosa do círculo, justamente por sustentar as colunas do mistério. Oráculo em carne e espírito. Diáfana. Noiva-enigma do mundo. Musa impassível [feito o mármore de Brecheret].
O segundo arcano maior é uma imagem de grande poder no Tarot. A Mãe Celestial. Pudica, permanece prostrada entre as colunas mais famosas de toda a literatura esotérica — B e J, o chiaroscuro dos dentros. Madame da polaridade, senhora do presságio. Shekinah, misticamente falando. The higher and the holiest of the Greater Arcana, segundo o próprio Waite. Claro que todos os arcanos são fortes em suas potencialidades simbólicas, é sabido. Confesso que A Sacerdotisa é uma das minhas figuras arquetípicas prediletas. Precedendo A Temperança e A Força, é a feiticeira mais poderosa do círculo, justamente por sustentar as colunas do mistério. Oráculo em carne e espírito. Diáfana. Noiva-enigma do mundo. Musa impassível [feito o mármore de Brecheret].
Dentre os ornamentos clássicos mais inquietantes, vejo eu, está a cortina em The High Priestess de Arthur Waite, concebida pela genial Pamela C. Smith. Não simplesmente por ocultar o mar às suas costas, mas principalmente pela estampa do tecido — uma tapeçaria ornamentada de romãs.
The High Priestess | Waite-Smith Tarot U.S. Games Inc. |
Romã no quintal. Romã no própolis. Romã nos livros.
Romã nas lembranças da avó. Romã nas pinturas.
Romã nas lembranças da avó. Romã nas pinturas.
Romã nos oráculos.
Romã na poesia. Romã nos sonhos.
Romã. Escrever sobre.
Entendi.
Sofiko Chiuareli | The Colour of Pomegranates, 1968 |
A Musa do cartomante é a analogia
Sempre que revejo A Cor da Romã [1968], meu filme-poema predileto do armênio Sergei Paradjanov sobre as vidas e as mortes de Sayat Nova, um trovador do século XVIII, me certifico da importância do estudo simbólico. Do ritual da imagem e do conceito, por assim dizer. A predisposição à pesquisa e à prática com absoluto cuidado e alguma demora. Uma performance exemplar durante a leitura do oráculo requer alimentação artística e histórica constante.
Letramento, interesse, disposição. Fúria. Assim, embriagado pela beleza do simbolismo bizantino temperado com magia poética, reuni alguns baralhos e comecei a garimpar a presença da infrutescência na simbologia arcana. Já via A Maga do Crescente Lunar na minha mente quando então passei aos outros arcanos até chegar em The Empress, do mesmo Rider-Waite Tarot: Vênus que veste as romãs. The fruitful mother of thousands. Daí para lembrar do famigerado Tarô Mitológico foi um pulo: estamos entre Mulher e Donzela, com o ventre de vastos códigos e significados.
Perséfone e Deméter The Mythic Tarot Fireside, 1986. |
Perséfone e Hades banqueteando. Atenas, 440-430 a.C. |
Brincando de bibliomancia enquanto relia o delicioso As Núpcias de Cadmo e Harmonia, caí na página do rapto, tecido com tanto esmero por Calasso: Core, a pupila, estava portanto no umbral de um olhar em que teria visto a si própria. Estava estendendo a mão para colher aquele olhar. Mas irrompeu Hades. E Core foi colhida por Hades. Por um instante, o olhar de Core teve de desviar-se do narciso e encontrar-se com o olho de Hades. A pupila da Pupila foi acolhida por uma semelhante, na qual viu a si própria. E aquela pupila pertencia ao invisível.
As sementes quando são desveladas
Sofiko Chiuareli | The Colour of Pomegranates, 1968 |
Nem todos os mistérios que encerram a romã estão no papel. Até porque o exercício visual é necessário. Sempre. Percebe-se, com absoluta atenção aos detalhes, que no arcano II as romãs estão atrás da figura principal, enquanto que no arcano III, o fruto está sobre a figura — envolto em seu corpo. É nítido que A Sacerdotisa não indica necessariamente nem gravidez nem esterilidade, já que encarna a virgindade, persona casta que preserva seus mistérios e segredos. Inaptidão sexual. Desconhecimento ou silêncio dos próprios desejos. Já n'A Imperatriz, discretamente as romãs saltam aos olhos, confirmando os sintomas clássicos de prosperidade. Na primeira, o potencial [de sexualidade e fertilidade]; na seguinte, a latência.
A Sacerdotisa e A Imperatriz Waite-Smith Tarot | US Games Inc. |
É do rastro de Afrodite, no Chipre, que nasce a romã. A primeira dádiva de seus passos. A composição carnosa da planta passa a ser associada à vagina, à condição intrínseca de fertilidade. Um estimulante — o afrodisíaco primordial. Em meio ao caos dos fragmentos míticos, o pomo púnico acaba se conectando à Maria [e à Igreja, já que a profusão de sementes representa a união, os fiéis em torno de Cristo, a vida que pulsa]. Em algumas catedrais e museus, principalmente na Itália, a representação se mantém. La Vergine. La Madonna della Melagrana. Nem todos os mistérios estão no papel mas também nos caminhos cíprios. Nas artes. Nos próprios mistérios. Artefato. Víscera da Musa.
Sandro Botticelli | Madonna della Melagrana, 1487. Galleria degli Uffizi, Firenze, Itália. |
La Papisa prepara una eclosión. Espera que Dios venga a inseminarla. Me lembro bem de Jodorowsky falando do processo de incubação do segundo Arcano Maior. Se ela pode traduzir-se como gestação, na próxima carta numerada temos o afloramento. Nasce e desenvolve-se o fruto. E James Frazer, famoso historiador entre os adeptos da Bruxaria, propõe Deméter como a colheita madura do ano enquanto Perséfone encarna a semente. A catábase de Koré seria uma expressão da semeadura. Seu reaparecimento então significaria o despontar do novo cereal. Assim, a Perséfone de um ano seria a Deméter do seguinte. Parir associações, sempre com o devido cuidado, faz com que as cartas tenham ainda mais sentido quando colocadas em evidência. O êxtase da leitura é a performance do olhar. Teoria e prática num ramo [de ouro e narcisos] bem consistente.
Uma descida aos infernos (da imagem)
Gosto de jogos imagéticos. Dos véus. Hologramas. Tanto que agora, descobrindo o Petit Lenormand, as combinações tem sido uma divina diversão. São feitiços. Pelo fato de nem sempre serem percebidos a olho cru, tonificam a voz do oráculo. A capacidade de versificar as figuras e compor um poema cada vez mais bonito e rico de significado. Interpretação de símbolos. E confesso que faço cara de origami quando me dizem que gostam da 'facilidade' que o Tarô Mitológico proporciona [ainda vigora esse tipo de argumento], mesmo que não consigam fazer dos mitos ali encarnados apenas uma sugestão à compreensão do arcabouço em vez de lindas, rápidas e definitivas roupagens aos arcanos, que por sua vez existem e significam por si próprios; como se o símbolo fosse um organismo hermeticamente exato e indiscutível a ponto de se sobrepor ao que o arquétipo cansa de caracterizar. Mas gosto de jogos imagéticos, gosto mesmo. E se às vezes vejo Perséfone n'A Papisa, devo ter toda uma bagagem de pesquisa para apropriar minhas impressões e constatar possíveis associações. Sair dizendo que a mulher n'A Estrela aparece nua porque está debilitada devido à destruição d'A Torre soa tão taxativo quanto absurdo. Mas este é um outro caso.
Faço de conta que uso o Tarô Mitológico e sorteio A Sacerdotisa numa leitura sobre o paradeiro de algum objeto, pessoa ou animal. Devo dizer que o elemento procurado se encontra abaixo de uma escadaria escura? Não, não necessariamente. Mas preserva-se a ideia de oculto, escondido, praticamente inalcançável a olhos nus — o Hades é o invisível que está ali, não?
Uma ode ao bom senso. Um hino homérico. Os degraus infernais de Greene e Sharman-Burke são uma novidade simbólica, mesmo que a ideia de ocultação, mistério, perda e desencontro mantenha A Papisa guardando seu templo, reino tão rico em segredos. Ou nas alturas do Capitólio presididas por Juno, rodeada de pavões e romãs, uma representação alternativa do arcano. Também Hera, a grega, vivendo suprema em suas longas vestes de romã. Me lembro, aliás, das estátuas no Museo di Paestum, na Itália: a matriarca do Olimpo segurando uma criança e a fruta sagrada — kourotrófos, aquela que nutre. Inatingível aos que não se permitem enxergar [o] além. E é a partir do mergulho nos ornamentos e atributos, sempre respeitando e preservando a estrutura clássica do conjunto de cartas, que posso vislumbrar os véus de Perséfone no segundo arcano maior. Até mesmo usando um Marselha.
Que haja coerência, portanto. Não só simbólica, respeitando cada sistema [astrologia é astrologia, mitologia é mitologia e tarô é tarô, mesmo que possam dialogar entre si], mas também interpretativa. E que os mitos, os dicionários de iconologia e as referências folclóricas sejam ingredientes à compreensão e à fortificação do poder de analogia dos símbolos. Não verdades inquestionáveis proferidas pelas bocas do achismo nem bengalas para se entender a dinâmica dessas imagens há tanto plasmadas em nossa cultura. Apenas afrodisíacos disponíveis para refletir o poder dos símbolos. As cores de cada um deles diante das mil faces da analogia.
O poeta morre, mas não a sua Musa, deixou o armênio Sayat Nova em um dos seus versos. E qual é a cor do símbolo? Pesquisa, fúria, atenção e qualidade. O sangue da excelência, vertido de todo árduo submundo. Só assim para que haja luz sobre todas as tonalidades de nossas cartas e palavras.
L.
Uma descida aos infernos (da imagem)
Sofiko Chiuareli | The Colour of Pomegranates, 1968 |
Gosto de jogos imagéticos. Dos véus. Hologramas. Tanto que agora, descobrindo o Petit Lenormand, as combinações tem sido uma divina diversão. São feitiços. Pelo fato de nem sempre serem percebidos a olho cru, tonificam a voz do oráculo. A capacidade de versificar as figuras e compor um poema cada vez mais bonito e rico de significado. Interpretação de símbolos. E confesso que faço cara de origami quando me dizem que gostam da 'facilidade' que o Tarô Mitológico proporciona [ainda vigora esse tipo de argumento], mesmo que não consigam fazer dos mitos ali encarnados apenas uma sugestão à compreensão do arcabouço em vez de lindas, rápidas e definitivas roupagens aos arcanos, que por sua vez existem e significam por si próprios; como se o símbolo fosse um organismo hermeticamente exato e indiscutível a ponto de se sobrepor ao que o arquétipo cansa de caracterizar. Mas gosto de jogos imagéticos, gosto mesmo. E se às vezes vejo Perséfone n'A Papisa, devo ter toda uma bagagem de pesquisa para apropriar minhas impressões e constatar possíveis associações. Sair dizendo que a mulher n'A Estrela aparece nua porque está debilitada devido à destruição d'A Torre soa tão taxativo quanto absurdo. Mas este é um outro caso.
Faço de conta que uso o Tarô Mitológico e sorteio A Sacerdotisa numa leitura sobre o paradeiro de algum objeto, pessoa ou animal. Devo dizer que o elemento procurado se encontra abaixo de uma escadaria escura? Não, não necessariamente. Mas preserva-se a ideia de oculto, escondido, praticamente inalcançável a olhos nus — o Hades é o invisível que está ali, não?
As cores das Musas instagram.com/leochioda |
Uma ode ao bom senso. Um hino homérico. Os degraus infernais de Greene e Sharman-Burke são uma novidade simbólica, mesmo que a ideia de ocultação, mistério, perda e desencontro mantenha A Papisa guardando seu templo, reino tão rico em segredos. Ou nas alturas do Capitólio presididas por Juno, rodeada de pavões e romãs, uma representação alternativa do arcano. Também Hera, a grega, vivendo suprema em suas longas vestes de romã. Me lembro, aliás, das estátuas no Museo di Paestum, na Itália: a matriarca do Olimpo segurando uma criança e a fruta sagrada — kourotrófos, aquela que nutre. Inatingível aos que não se permitem enxergar [o] além. E é a partir do mergulho nos ornamentos e atributos, sempre respeitando e preservando a estrutura clássica do conjunto de cartas, que posso vislumbrar os véus de Perséfone no segundo arcano maior. Até mesmo usando um Marselha.
A romã d'A Sacerdotisa El Gran Tarot Esoterico | Fournier, 1978 |
Que haja coerência, portanto. Não só simbólica, respeitando cada sistema [astrologia é astrologia, mitologia é mitologia e tarô é tarô, mesmo que possam dialogar entre si], mas também interpretativa. E que os mitos, os dicionários de iconologia e as referências folclóricas sejam ingredientes à compreensão e à fortificação do poder de analogia dos símbolos. Não verdades inquestionáveis proferidas pelas bocas do achismo nem bengalas para se entender a dinâmica dessas imagens há tanto plasmadas em nossa cultura. Apenas afrodisíacos disponíveis para refletir o poder dos símbolos. As cores de cada um deles diante das mil faces da analogia.
O poeta morre, mas não a sua Musa, deixou o armênio Sayat Nova em um dos seus versos. E qual é a cor do símbolo? Pesquisa, fúria, atenção e qualidade. O sangue da excelência, vertido de todo árduo submundo. Só assim para que haja luz sobre todas as tonalidades de nossas cartas e palavras.
L.
The Colour of Pomegranates, 1968 |
Os livros no colo
BIBLIOGRAFIA SUGERIDA
CALASSO, Roberto. As Núpcias de Cadmo e Harmonia. Companhia das Letras, 1991.
FAUR, Mirella. O Legado da Deusa. Rosa dos Ventos, 2003.
GRAVES, Robert. O Grande Livro dos Mitos Gregos. Ediouro, 2008.
LAO, Meri. Musica Strega. Edizione delle Donne, 1977.
LORCA, Federico García. Poesía Completa. Galaxia Gutenberg, 2011.
SHARMAN-BURKE, Juliet. Os Segredos do Tarot. Editorial Estampa, 1998.