17 de março de 2013

UM TARÔ PARA MARINA ABRAMOVIĆ






Symbols are an artist’s language 

An Artist’s Life Manifesto




The Life and Death of Marina Abramović, 2011

the Srenght
A FORÇA









The Dragon Heads, 1990

the Devil
O DIABO








The Life and Death of Marina Abramović, 2011

the Death
A MORTE












The Life and Death of Marina Abramović, 2011

the Tower
A TORRE














Back to Simplicity, 2010

the Empress

A IMPERATRIZ








Portrait with a Scorpion, 2005

the Moon
A LUA










Rest Energy [com Ulay], 1980
the Lovers
OS ENAMORADOS









The Kitchen, 2009
the Judgement
O JULGAMENTO









Harper's Bazaar, 2012

the Priestess

A SACERDOTISA











The Kitchen, 2009
the Temperance
 A TEMPERANÇA










The Dress, 2008

the Star
A ESTREL
A










The Relation Work, 1976

the Chariot + the Wheel of Fortune
O CARRO | A RODA DA FORTUNA











Harper's Bazaar, 2012

the Justice
A JUSTIÇA









An Artist's Life Manifesto

the Magician


O MAGO











Freeing the Voice, 1970

the Hanged
O PENDURADO












The Kitchen, 2009

the World
O MUNDO











The Life and Death of Marina Abramović, 2011

the Emperor
O IMPERADOR 











Marina Abramović Community Centar Obod, 2011

the Hermit
O EREMITA













The Artist is Present, 2010


the High Priest
O PAPA













Portrait with Flowers, 2009

the Sun
O SOL














The Lovers | The Great Wall Walk, 1988

the Fool
O LOUCO











TARÔ 
É 
PERFORMANCE.


15 de março de 2013

CADA REPETIÇÃO É MUDANÇA




O tempo não está fora de nós, nem é algo que passa diante dos nossos olhos como os ponteiros do relógio: nós somos o tempo, não são os anos que passam, mas nós que passamos. O tempo possui uma direção, um sentido, porque ele é nós mesmos. O ritmo realiza uma operação contrária à de relógios e calendários: o tempo deixa de ser medida abstrata e volta a ser o que é: algo concreto e dotado de uma direção. Contínuo emanar, perpétuo ir além, o tempo é um permanente transcender-se. Sua essência é o “mais” — e a negação desse mais. O tempo afirma o sentido de um modo paradoxal: possui um sentido — o ir além, sempre fora de si – que não cessa de negar a si mesmo como sentido. Destrói-se e, ao se destruir, repete-se, mas cada repetição é uma mudança. 


Octavio Paz | O Arco e a Lira. 
Tradução de Ari Roitman e Paulina Wacht 
Cosac Naify, 2013.

10 de março de 2013

ANATOMIA DO PENDURADO


Il Penduoto 
Gregorio Prieto



DEFINIÇÕES 
taxonomia da suspensão


Reino: Animalia
Filo: Chordata
Classe: Mammalia 
Ordem: Primata 
Família: Hominidae
Gênero: Homo
Espécie: Homo sapiens
Hierarquia arcana: Maior
Natureza: Retrógrada; unidimensional
Habitat: literatura, mitologia, religião, relações humanas.
Caminho: da Dor
Período de atuação: ininterrupto; atemporal.
Função cultural: aprendizado, arrependimento, humilhação, correção de erros, iluminação.
Iconografia relacionada: humano sacrificado, punido, abandonado, ofertado.



A CARA [E A COROA] DA TRAIÇÃO
And Judas is the demon I cling to


TRAITOR 
The Tarot of the Sevenfold Mystery
Robert M. Place

Vedi, bambino. Com os olhos verde-amarelados pelo sol através das folhas da bétula, Ludovica suspendia delicadamente um fio de lã. Parada à minha frente, com o rosto fixo em mim enquanto tomava café na soleira de sua porta, ela mexia o braço direito. Um pequeno boneco de pano descia pela outra ponta, amarrado por uma das pernas. Suponho que era recheado com ervas — paus de canela feito membros, cabeça com botões e miçangas, boca costurada com um leve sorriso — ecco il Traditore! 


Le Pendu
Winston Tong


Curioso encarar O Pendurado como um traidor. Na Itália, por meio do treinamento com uma verdadeira strega, pude perceber — entre aulas sobre Dante e poemas de Folgore di San Gimignano e Ungaretti — que o Tarot é tão belo quanto trágico. Tão cômico quanto as origens da minha família e os causos perdidos de toda ancestralidade. Foi também em Perugia que passei a inverter o arcano XII com mais frequência e sentir os traços de seu rosto: do tédio ao desespero, com pitadas de raiva. Mapear as feições do invertido acaba sendo uma tarefa auspiciosa quando se tem a história como aliada irrefutável.

Judas Escariotes. Moedas. Mãos atadas. E que fique claro: a corruptela O ENFORCADO se dá pela tradução direta do vergo to hang, que também significa pendurar, suspender.   A nomenclatura foi viciada. O homo sapiens imobilizado mantém-se, iconograficamente. The Dying God se penso em Crowley e seus bruxedos associativos, graças aos toques de Lady Harris. Drowned Man. O Suspenso é O Louco, numa oitava mitológica. O herói em apuros necessários. O que se vira nos 30.



DO CORPO AO ESPÍRITO
Pernas, pra que te quero


Hanged Man
Jordan Clarke


A literatura esotérica é tão rica que produz e colhe sentidos variados às amarras do traidor apostolado enforcado abnegado Pendurado. Óbvio que a simbologia do corpo humano se constata nas cartas, mas atribuir um sentido específico e imutável ao fato de o personagem ter sido preso pela perna esquerda ou direita é um exemplo de encheção de linguiça — e que me perdoem os mais fanáticos. O homem já é símbolo de atividade e destreza. Pendurado pelo pé é sinal de sacrifício e renúncia. Um dos membros inferiores, dobrados, significa impossibilidade de realização. Perna pra quem tem: fugir das atribuições escalafobéticas é um grande passo na direção da coerência interpretativa.

Aliás, o fanatismo vem a ser um atributo pouco explorado deste Maior: em termos espirituais é o fervoroso, o que promove a autoflagelação, o que dá a carne em troca de algo maior e mais importante. Opus Dei feelings. A renúncia como caminho à transcendência.














Mas este holy fool é mesmo um bálsamo quando se questiona sobre o caminho espiritual a ser trilhado ou construído. The Yellow Brick Road até o Paraíso acaba sendo possível quando o buscador se desarma e permite que a vida o leve, que a fé o desterre daquilo que é inútil ao crescimento interno. Definida a verticalidade de sua transcendência, O Suspenso deixa a desejar quando se trata do coração.




VIRADO NO AMOR
You better hang on to yourself

The Love Show
Aaron Vizos



Amar é ver diferente.
Depois fica-se cego.
Mas primeiro é ver diferente. 

Gonçalo M. Tavares




O Pendurado nos dá noção de corpo. Já reparou no quanto nos dilaceramos quando o amor deturpa nossa visão de mundo? Quando há decepção amorosa, o sofrimento toma a forma de um ser invertido, vertido na desgraça do abandono ou da injustiça, no último milímetro do fim da linha. Nada à frente. O que fazer, o que fazer!? Tomo pra mim certo desespero ao ter de prenunciar que é nulo o futuro de relações marcadas por esta criatura às avessas. As dores do amor são maiores quando o sangue desce à cabeça — permanece o descaso com a vida, consequentemente. Como enxergar os quereres do menino Eros quando se está em suspensão? Ata-me e incendeia, parecem dizer os que gostam de sofrer. E não somos todos um pouco sádicos a esse ponto? Há um lampejo de esperança em todo fundo de poço. A impossibilidade de relacionar-se com sabedoria e autenticidade se torna uma constante se não houver a capacidade de desatar certos nós. Virilidade zero se não conhecer sua própria morfologia. Botar a mão na massa, mais que necessário quando O Humilhado é augúrio.

Mas é também um convite — nobre, muito nobre — a uma nova visão de tudo e de todos. Que fique claro: transmutar o nadir em zênite é reconfigurar toda a esfera dos afetos a partir de decisões menos violentas para com o corpo. O corpo, O Pendurado nos dá a noção dele. O coração de cabeça para baixo é oportunidade de oxigenar expectativas e verdades até então inquestionáveis. Há maior lucidez quando se inverte os olhos. Confirma-se a necessária repaginação da paisagem. O teto é chão. E o amor não é mais o mesmo, não por um bom tempo de suspensão.



Sherlockian Tarot 
www.sherlockiantarot.tumblr.com



JOGO DE CINTURA
Fear can make you compromise


Tempo de suspensão. Pois bem. Revirar os textos, revirar os baralhos. E não é árdua a tarefa de enxergar este mundo por outro prisma? Não, não por outro prisma, mas por outros ângulos. Favorecer a inversão a ponto de faiscar o cerebelo: entenda que nem tudo é o que parece, pois pode estar de ponta-cabeça. Acrobata, O Pendurado é um exímio acrobata também. Perceber estas nuances de movimento a partir de uma perna vai além da noção de impossibilidade. Nos torna exímios improvisadores. 

Quando empresários procuram minhas leituras e o XII é sorteado, alerto à destreza necessária. Negócios e investimentos são amarras adoráveis. Desafios transponíveis com a condição irrefutável de transformação e contenção. Respirar fundo e tomar consciência do entorno. Mapear o movimento da concorrência, mesmo que de mãos atadas. A boca se torna a arma. O conselho é mudar, mas não tudo de uma vez. Uma coisa a cada tempo, nem que seja em questão de segundos. Um movimento brusco pode botar a perder uma empreitada invejável. O medo pode fazer com que você se comprometa até doze gerações a frente. Suspendê-lo, então. Encarar os fatos é assumir a gravidade da vida. E com essa frase apelo a todas as interpretações possíveis. Suspender-se. Cair é natural; permanecer preso é que é opcional. Valha-nos, Houdini!



Harry Houdini 
Times Square, 1915



CONSIDERAÇÕES FINAIS
De um rápido relatório do acaso


Veja bem, querido e querida tarotista: malhar o arcano não lhe ajuda em nada. Não é encardido e nem [tão] desagradável quanto parece — e volto a professar uma didática antiesquisotérica com o que é lúgubre e obscuro, talvez pela bendita Lua em Escorpião tão bem aspectada: tudo bem detestar a figura de Judas pelas calçadas do inconsciente, mas violentar a carta ao longo das leituras é ignorância. Ela é essencial, como todas as outras 77, à estrutura do que simbolicamente nos define. Preservemos, pois, a anatomia divina do oráculo. É O Pendurado quem nos dá noção de corpo. Lição de hoje e de sempre. Levar esta lâmina ao abate, aplicando a ela uma noção genuína de fim de carreira e fim de felicidade é o mesmo que limitar seus atributos ao que se vê [não muito bem]. Compensa, talvez, forçar um pouco a vista e até mesmo a vida. Estender a mão ao Invertido. Dar um salto e curvar a retina. Constatar o caráter messiânico desta carta diante de todo e qualquer conflito. Passa, tudo passa. Enquanto se endireita a coluna, o [bom] futuro se ladrilha.


Não é mais que tempo de vislumbrar o novo?


Osho Zen Tarot
 Ma Deva Padma