31 de dezembro de 2012

2013

É o arcano das bifurcações 
que traça os perímetros de 2013. 

Até onde o seu coração quer chegar?




16 de dezembro de 2012

A SEREIA DE PAMELA COLMAN SMITH




As sereias povoam a minha vida. Desde os sonhos, desde sempre. Estudar a iconografia sirênica tem sido o maior dos meus encantos. Daí a razão e consequência de se manifestarem das mais variadas formas e situações: estátuas, baralhos, livros, canções e mesmo em relíquias de família redescobertos e herdados. Digo que é uma arqueologia instigante das águas de dentro. Afinal, dentro do oceano de símbolos que somos, a poesia pulsa. E elas cantam.

Na Mystic Fair, a amiga Isabel Catanio me presenteou com um tesouro mágico. Susan and the Mermaid, escrito e ilustrado por ninguém menos que Pamela Colman Smith, de 1912.



{The Ship of Dreams}


Susan and the Mermaid apareceu pela primeira vez no Natal daquele ano na revista de moda The Delineator, publicada pela companhia Butterick Publishing. Sim, uma revista de moda. A fábula da artista favorita do mundo do tarô era destinada às mães para lerem às suas crianças. Corinne Kenner, escritora e tarotista americana, fez questão de republicá-la, pelo bem da nossa fúria de pesquisa, colecionismo e encantamento. Ela literalmente redescobriu um mundo aquático repleto de magia. Susan é uma garotinha  que sempre quis ver uma fada, conforme confidencia à avó. É aí que a senhora, nitidamente uma bruxa, leva a neta com ela em uma jornada mágica. A partir de uma antiquíssima tijela de água e um anel mágico, partem para o reino das sereias onde descobrem um universo de aventuras inimagináveis ao lado de seres encantados. Uma peça indispensável para durar por mais cem anos na estante. 

{Her Majesty, the Queen of Tides}


Até porque, segundo a taróloga Mary Greer, o livro é um "must have" para qualquer um que se encante com os traços de Pixie e seja fã do seu trabalho. Sem contar que é uma das grandes responsáveis pelo que nosso oráculo é hoje.  Digo, também, que é um joia indispensável entre as preciosidades de todo e qualquer oraculista e viajante pelas narrativas e pelos símbolos. Dos mundos e de nós mesmos.

Grato, Isabel, por essa pérola única.
Que o canto delas nos leve aos tesouros mais profundos dos presságios. 


L.

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8 de dezembro de 2012

O MÉTODO SERPENTE


SÃO PAULO |  DEZEMBRO 2012


E se criássemos um método de estratégia que servisse tanto para Tarot quanto para outros oráculos em cartas? Um método que ajudasse a pessoa a definir objetivos, a mapear o ambiente de ação e a melhor forma e momento de agir? Um método redesenhado em que se deita as lâminas na vertical, de forma que as curvas intuitivamente tomadas se pareçam com uma cobra? E se estudássemos rapidamente a natureza de um dos seres mais fantásticos e temidos da humanidade? E se fizéssemos desta casa em São Paulo um laboratório de técnicas? E se escolhêssemos um filme ou um livro para ilustrar seu desempenho? E se fôssemos aliados na arte da combinatória e levássemos a público uma oportunidade de explorar o oráculo com profundidade e absoluto respeito à nossa profissão? 

E se? 

Foi assim que Giane Portal e eu nos reunimos e começamos a elaborar o método SERPENTE: questionando. E fazendo, pois só falar não adianta muita coisa. À base de iogurte grego, chá gelado e tragos de Café Creme, o que começou com um teste repentino acabou se estruturando. Aqui revelamos as primeiras impressões.


COMO FUNCIONA 

O Serpente foi arquitetado como um método de estratégia. Três cartas. Direto e reto. Ou seis, se você trabalha com um arcano Maior e um Menor. Como age uma cobra quando decide ou precisa atacar? Pensemos rapidamente:

1. Ela espreita a presa.
2. Ela se arma.
3. Ela dá o bote.

Foi assim que pensamos nas posições: 

1. Analisar o ambiente e os perigos possíveis.
2. Definir o alvo e colocar-se em posição.
3. Atacar.

A arte do Tarot é, sim, ritualística. E sim, somos intérpretes. Chamar a Serpente faz parte do método: deslizar as cartas verticalmente, mimetizando o rastro do réptil. A eficácia da estratégia é testada no final, quando um último recurso torna-se disponível. Até lá, deve-se analisar as três posições com todo o cuidado. Elas se relacionam, assim como acontece com vários outros métodos. Intuitivamente tomamos como exemplo um ícone do cinema para testar a eficácia da disposição e da leitura: KILL BILL, de Quentin Tarantino. Tamanha foi nossa surpresa quando desvelávamos o Barbara Walker Tarot e víamos a narrativa de Beatrix Kiddo [Uma Thurman] se formando frente aos nossos olhos. 

Que tal ser testemunha da nossa tática? 
O pré-requisito é único: ter assistido aos filmes.


Como Beatrix  Kiddo pode matar Bill?

A ESPREITA | Mapeamento da situação. A cobra analisa a presa, aquilo que deseja dominar, destruir, tomar ou tornar-se.  Conhecer o ambiente é essencial para obter êxito, seja qual for a intenção.

 


DIABO + PRINCESA DE PAUS | Beatrix deve se libertar física e afetivamente. Fisicamente do hospital, afetivamente do próprio Bill, seu amor do passado e seu pior inimigo. Seu codinome é Encantador de Cobras, aquele que recruta as víboras assassinas e não admite perdê-las – O Diabo, própria e obviamente. É crucial perceber que o ambiente é nocivo e que só a força interior, a perseverança, é capaz de mudar os caminhos de Beatrix. Pontuar seus objetivos e tentar desescravizar-se. Revenge is a dish best served cold – esta é uma jornada de vingança. Cada detalhe precisa de reflexão para então se chegar ao ponto almejado. Apurar as necessidades e os inimigos – ainda mais estes quando eram companheiros de trabalhos. A combinação arcana denota ambientes quentes e áridos, pode-se arriscar. Todo inferno na terra é sinal de provação. Para chegar à condição de Rainha e honrar seu instrumento de guerra, a Princesa deve seguir à risca seu intento. Fazer valer cada faísca de energia. E deixar a vingança guiar seus passos.






A ARMAÇÃO | Análise da presa, aquilo que deseja dominar, destruir, tomar ou tornar-se.  A estratégia em si. Conhecer possíveis percalços é essencial para obter êxito, seja qual for a intenção. A serpente põe-se em campo.



FORÇA + ÁS DE OUROS | A Noiva deve seguir à risca o [cruel] treinamento de Pai Mei. Dar-se à disciplina, não apenas disciplinar-se. Entregar-se à força física acumulada e recém-descoberta. Por falar em noiva, a dama d’A Força é comumente associada à imagem de uma virgem. Beatrix de véu e grinalda, apesar de ter casado grávida. Usar o instinto com sabedoria, com propriedade sobre eles. Armar-se para enfrentar as víboras assassinas. A cada capítulo uma batalha. Beatrix deve se preparar física e emocionalmente. Dominar-se para dominar. Honrar sua Hattori Hanzo. Já o Ás de Ouros como Reward, a recompensa do treinamento é sua condição letal. O regressus ad uterum é uma chance de regenerar-se. Todas as provações são necessárias para crescer e então alcançar o objetivo principal. Black Mamba entre os vivos.






O BOTE | Momento do ataque. O salto, a atitude. Como agir e ainda a qualidade da ação. Medidas as possibilidades e circunstâncias, toma-se a decisão e golpeia.

 


PENDURADO + OITO DE OUROS | Beatrix tem de esperar o minuto certo para agir, aparentando desistir do plano de vingança e aguardar Bill baixar a guarda. Demonstrar que aprendeu a lição e que então se rende, mesmo sabendo do perigo onisciente do adversário. Qualquer movimento será fatal. Não se deve esquecer da cena do dardo tranquilizante que o vilão dispara em sua perna, remetendo diretamente à suspensão temporária do Arcano 12. Depois, a noiva deve fazer valer, mais que nunca, suas habilidades — frutos do aprendizado [Learning] constante ao longo da jornada. Beatrix é uma víbora assassina e deve aceitar sua condição. Não há mais volta. Como consequência da sua vingança, Beatrix assume B.B., até então criada pelo pai. E não é que temos uma cena curiosa no Eight of Pentacles do baralho de Barbara Walker? Uma rainha coroando uma princesa. Ritualiza-se o processo materno. A Noiva iniciada como Mãe. A garotinha iniciada como Filha.





O VENENO | Arcano [maior] oculto obtido através da soma dos arcanos maiores sorteados. Por meio dele se confirma a eficácia ou ineficácia do ataque.

Eis o último recurso. Um presente, uma esperança. Por meio da soma dos maiores, obtemos um novo arcano maior, mesmo que tenha sido sorteado para a leitura. Veja o caso do filme: 15 + 11 + 12 = 11 = A FORÇA, lâmina realizadora e conclusiva. Nesta posição confirma-se a eficácia do bote: Beatrix consegue matar Bill. Concretiza  seu objetivo de destruir Bill, seu mentor e antigo amor. Livre das amarras mapeadas n’A ESPREITA (arcano 15, O Diabo), a Noiva domina a situação. Domina a si mesma.





[ALGUNS] MEANDROS DA LEITURA

Não há discussão [comigo]: valer-se também das imagens é essencial ao longo da consulta. Perceba que, fazendo uma tiragem para uma narrativa já estabelecida que é o filme, com um começo, meio e fim, tem-se um arranjo de possibilidades descaradas e veladas. Quem já viu os dois volumes de KILL BILL sabe que Beatrix é enterrada viva por Budd, um de seus adversários, justamente no momento em que vai atrás dele no meio do deserto. As cartas sorteadas na posição d’A ARMAÇÃO denotam essa nuance do roteiro: o Ás de Ouros é o elemento terra em sua raíz. Ilustra o renascimento da personagem. Claro que numa leitura a outras pessoas, ao sugerir as táticas que as lâminas trazem, seria forçado prever esse perigo. Mas retroativamente, conhecendo o roteiro, pode-se constatar essas passagens nas próprias imagens do tarô. Vale como exercício imagético. Possibilidades mil. Certamente deixamos de lado vários trechos e noções importantes dos dois filmes que as cartas sorteadas denotam. Mas esse é o jogo da combinatória e da interpretação. Ou vai me dizer que você absorve cada detalhe, fala e circunstância de um filme na primeira vez que assiste? Difícil. O mesmo acontece com uma tiragem de tarô: leitura pressupõe releitura. Sempre que possível.



E [POUCAS] CONSIDERAÇÕES FINAIS

Leve em conta o sangue jorrado. Exercícios de leitura tonificam seu arsenal analógico. Com o mínimo de destreza, você pode perceber quão esguio é o oráculo: rasteja pelas nossas percepções. Afina as pontas de intuição. Portanto, anote seus jogos. Experimente outros exemplos. Escolha filmes e livros que você ainda não tenha visto e lido e tenha coragem de testar em si o veneno do acaso. O antídoto vem com a experiência. Aliás, perceba que o método não promete táticas infalíveis. O VENENO, conforme dito, revela o êxito ou fracasso das artimanhas adotadas. Isso se relaciona diretamente com a natureza dos arcanos, daí a relação intrínseca entre as posições. Elas devem ser lidas como um todo indissociável. A natureza da serpente. A arquitetura da estratégia. Uma ode às possibilidades da simbologia. Elas sibilam aos nossos olhos. 


Giane PORTAL & Leo CHIODA


Vivemos juntos por uma semana. Oportunidade cronometrada para passear por feiras esotéricas, assistir a musicais consagrados, garimpar livros sobre oráculos em lugares adoravelmente inóspitos, arquitetar workshops e trazer ao mundo um método ofídico de leitura devidamente testado, aprimorado e aprovado. Foram só sete dias, mas já somos informantes no crime da combinatória do futuro há mais de um ano. O período só confirma nossa parceria. 

Para lições felinas de estratégia, conquista e destruição, contate a agente Portal em www.gianeportal.wordpress.com. Confira também ARCANAVÊNUS, nosso novo projeto: www.arcanavenus.wordpress.com



IMAGENS 

The Barbara Walker Tarot. US Games, 1986.
KILL BILL Vol. 1 & 2. Miramax, 2003-2004.


13 de novembro de 2012

SOMOS SÍMBOLOS



SOMOS 
QUATRO FAMÍLIAS

SOMOS
DEZESSEIS AMULETOS . DEZESSEIS TALISMÃS

SOMOS
MIL DESTINOS







5 de novembro de 2012

REMEMBER, REMEMBER, THE 5th NOVEMBER






"Um símbolo sozinho pode não representar nada, 
mas se todos se juntam, um símbolo pode significar muito;
 pode significar a mudança de um país." 


V DE VINGANÇA
Alan Moore & David Lloyd
1982

3 de novembro de 2012

EM RESUMO




As pessoas frequentemente me perguntam: 'o que você faz, além do Tarot?' E eu sempre respondo: 'Nada.' Elas revidam com descrença, chocadas: 'Nada mais?' E eu digo: 'Sim, nada além.' Bom, eu também crio o espaço que minha filha precisa para crescer. E compro comida, lavo, limpo, cozinho, pago o aluguel e penso no que devo fazer quando o dinheiro fica curto. Eu experimento, nutro e sofro com relacionamentos, enfrento medos e alegrias, celebro, me livro de envolvimentos do passado e encaro novos limites. 

Eu tenho feito tudo isso. Em resumo: eu tenho vivido.


Margarete Petersen
artista plástica alemã e criadora do 'Margarete Petersen Tarot', concebido ao longo de 22 anos.

16 de outubro de 2012

O ORÁCULO FAZ DO ACASO O CENTRO

Irving Penn | The Tarot Reader . 1944


Qual é a diferença entre um moderno experimento científico físico e um oráculo divinatório? Num experimento físico, o acaso é eliminado, é empurrado para a fronteira, o mais longe possível, e sobra um resíduo que não pode ser eliminado. No oráculo, adotamos um enfoque diferente, complementar, ou seja, o acaso é colocado no centro; apanhamos uma moeda, jogamo-la ao ar e a probabilidade de que caia de coroa para cima é a fonte de informação. Assim, num caso, a fonte de informação é constituída pelo acaso e, no outro, ele é o fator de perturbação que temos de eliminar. Eles são absolutamente o que, em moderna linguagem científica, chamaríamos de mutuamente complementares. Os experimentos eliminam o acaso, o oráculo faz do acaso o centro; o experimento baseia-se na repetição, o oráculo está baseado no ato único.


Marie-Louise Von Franz | Adivinhação e Sincronicidade.
Editora Cultrix, 1987.

5 de outubro de 2012

O GRANDE MOMENTO DA VIDA


Mas não sou abençoada nem misericordiosa. Eu sou o que sou. 
Tenho um trabalho a fazer. E o faço! 
Escute: enquanto conversamos, estou lá fora buscando velhos e jovens, inocentes e culpados, 
os que morrem juntos e os que morrem sozinhos. 



É engraçado, mas, em dias bons, não penso muito nela. A cantora Tori Amos começa assim o prefácio de MORTE, deliciosa coletânea de histórias de Neil Gaiman (VERTIGO, 1997) protagonizadas pela segunda mais velha figura dos Perpétuos. O número do azar na sorte da Estrada Real. Arcano sombrio. A Ossuda. 13.


Talvez seja impraticável pensar nela com alguma demora e gravidade, a menos que seja iminente sua presença. Não se fala sobre A Inominável. Sempre causa desconforto. Se você já foi a um velório, me entende. O mórbido incomoda. Talvez justamente por ninguém saber ao certo como é o ambiente pós-passagem – me perdoem os visionários e religiosos convictos, mas o Mistério se mantém. Há vislumbres. Experiências indizíveis que tornam ainda mais valorosa sua contraparte, essa tal Vida. O estar aqui [ainda]. No Tarô, o décimo terceiro Arcano Maior trabalha por procuração. Ininterrupta. Geralmente horrenda, como manda a Peste iconográfica. Aparição temida. Pior é quando se pede o caráter de alguém e surge a Nefasta: aí tem, e o que tem não é brinquedo. Mas curioso é passear pela carta celeste pessoal e se deleitar com os infernos. Sim, estou falando de Astrologia. Digo suspirando que visito minhas Luas e alimento meus Escorpiões. Meu mapa tem [vários] tons de underground que me permitem transitar pelo negro com relativa harmonia. O macabro pode ser poético se houver cuidado e intuição. Convém lembrar de Saturno, que colabora com o verbo ceifar. Inerência. Já mapeou-se? E aonde fica o seu submundo? 


Relendo Death, de Frieda Harris.
Aleister Crowley Thoth Tarot | AG Müller, 1986.

Nas cartas de papel, voltando ao nosso oráculo visual do mundo, confesso ter um apreço extra pela Indesejada. A anatomia que Frieda Harris imprime é fascinante. Os bichos de baixo são importantíssimos. Manjar de peçonha para celebrar nossas catacumbas. Já Waite e Pamela Smith suscitam humor negro com a figura religiosa implorando por clemência. E causam ternura pela garotinha oferecendo flores ao cavaleiro negro. Inocência. Eis o grande momento da vida. Não há risco a cada passo? Sim, há. Riso também.


DEATH, poesia visual de Pamela Colman Smith.
Rider-Waite Tarot | US Games, 1971.


HADES EM MINIATURA

Morte é uma lição de escuridão. Já desmaiou? Eu já, e é estranhíssimo. Falei nos vislumbres e lembrei que sempre relacionei o morrer à síncope, que no grego súgkopê significa 'corte, fragmentação em pequenas partes'. Pequenas mortes? Só sei que a experiência é o cúmulo do conforto, pelo menos até o momento em que se emerge desse sono divino. Dói voltar. Thánatos, do gênero masculino no mesmo idioma, é irmão de Hipno, o próprio sono. Significa 'dissipar-se, tornar-se sombra'. Etimologicamente, cavalgamos até equívocos e inovações que nos fazem chegar a 'morrer' no sentido de 'ocultar-se'. Ser como a sombra. Esquecemos [ou não nos damos conta] de que na Grécia o morto era eidolon, um retrato de brumas. Insubstancial. Tecido projetado do que um dia respirou. Simulacro. 




Mas veja, o que interessa aqui é a descida. Morte, numa leitura intimista [como se houvesse alguma que não fosse], nos faz um convite à catábase. Coisas a serem revistas, repensadas, reorganizadas, rechaçadas. De simples a Jornada do Herói só tem o roteiro. Inenarrável quando se fala do Vale de Sombras; um presente sempre diferente. A floresta negra sempre se bifurca. Chama e engole. Degrau a degrau, até o fundo. Daí o questionar de cada instante e atitude. Momentos memoráveis aqueles em que a foice vem rente aos olhos. Alerta vermelho à crisálida. A limpeza da alma deveria passar pelo porão. É a lâmina que extirpa o negativo e o regressivo ao mesmo tempo em que nos libera. 

O que te mata, te fortalece [o espírito]. Esquecemos do poder de renegeração, ainda mais que o termo transformação continua sendo moda nas casas e publicações esotéricas. E aí o palpável também fica no escanteio: morte é símbolo. Coisas morrem, sentimentos. Falta uma didática do perecível, não acha? Cada dia passa com mais coisas abarrotando armários.  A Ceifeira sorri a todo e qualquer desapego, tenho certeza. Deixar apodrecer é tão divino quanto criar. Morte é oportunidade, não um fim em si. Nos abre portas, por mais difícil que seja cruzar o reino de baixo. Negligenciamos a riqueza do deus temido; Plutão, aqueles que poucos cultuavam e que rege as mais belas sagras. O que reluz brota do breu. Símbolos complexos ao longo das eras. Valiosos a toda e qualquer existência significativa. Faz valer a concepção da soberana que porta a vida: Não tem Death como adereço primordial o ankh no pescoço? Não determina nada, apenas faz o seu papel. Gentileza contida. Amor concentrado. Mors ianua uitae. Parteira na escuridão. 




The Sound of Her Wings, em The Sandman: Preludes & Nocturnes. 
Vertigo, 1995.

Embora seja o hades um univeso em si, Neil Gaiman não fornece coordenadas geográficas precisas sobre os domínios de Morte. Gênio. Assim deve ser. Em algumas histórias paralelas, quando encarnada [a fim de sentir melhor seu ofício], administra um apartamento bagunçado, mas nada proporcional ao reino de Morpheus, aos jardins infinitos de Destino ou as salas lúgubres de Desespero. Nem ao antro de arco-íris, peixinhos cantores e sofás de caramelo de Delírio. Mas o engraçado mesmo da nossa girl next door é que todo mundo a imagina de alguma forma, que logo se esvai. Antropomorfa, mas volátil. Par a par com o Diabo, cada dia mais diáfano. Forças, nem sempre personificações. 


O QUE SE LEVA DESSA VMIODRATE



The Universe is Change; every  Change is the effect of an Act of Love; all Acts of Love contain Pure Joy, tece crowley em seu Book of ThothPois é, guarde bem: A Morte, Arcano Sem Nome, prescreve o enigma no clichê: aproveite sua vida, ela é o grande momento. Aproveite com [todo o] amor: Eros é tão visceral quanto Thanatos. A parteira, a última a morrer, pode esperar. Intermitente. Haverá sempre o encontro marcado com cada um. E então a dança.  Terrível e linda em proporções aproximadas. E já que todo eufemismo é mero conformismo, todo mundo a concebe.  E o melhor é que, cedo ou tarde, todo mundo a descobre. Cheiro de flores brancas ou chama azul no canto do olho. Plural e única. Certa.



Death | The Vertigo Tarot.
Dave McKean. DC  Direct, 2001

http://instagr.am/p/QZ-TLhB_FP/

Mesmo em dias muito bons, penso um tanto nela. Engraçado.
Só sei que este ensaio nunca nasceu, mas sempre esteve aqui. Tal qual ela, atenta. Vai dedicado à minha irmã mais velha amiga Giane Portal, oráculo Vertigo indiscutível, que esteve comigo enquanto lia toda a jornada de Sandman – tipo Death acompanhando Dream pelos reinos e praças, alimentando os pombos. Permeia o acaso objetivo, se penso em Breton. What are you doing? Harmonia existencial. Supercalifragilisticexpialidocious! E vem às vistas justo agora que Saturno entra em Escorpião.

Curiosamente.



Die daily,


L.