Esse adubar do instante vivo
em pequenos vislumbres de memórias,
as siglas pessoais da arte,
mnemónicas para reconhecer-me.
Fiama Hasse Pais Brandão
Wooden Jigsaw Puzzle
da mostra 'Ciencias Naturales' de Juan Gatti,
o artista dos cartazes de Pedro Almodóvar
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Mais importante que o 31 de dezembro e o 1 de janeiro é o dia do Aniversário. O Retorno Solar é auspicioso. Um encontro e tanto. Tanto quanto as tradicionais festanças em torno da virada do ano, quando a maioria mantém a hipocrisia geral de prometer mudar e ser cada vez melhor e não cumprir nem metade do que se propagou durante o ano desgastado. Mas o durante o Aniversário não é bem assim. Não deveria. O lance pertinente é reavaliar as situações e as atitudes. Deixo de lado a maioria das superstições. Por isso, no dia de hoje, retorno aos rituais que brotam de mim.
Quando faço aniversário, penso um tanto no arcano 13, A Morte. A parteira negra acenando para mim. Mas não é um conceito grotesco, mas uma presença cujo intuito é fazer com que a cada ano me prepare em relação a tudo, Morte é regeneração. E sim, há muita vida na morte. A pele enrijece (se você cuida dela). Os músculos pesam. A coluna pede cada vez mais postura. A vista exige cuidados. E a beleza (podem me chamar de grotesco, agora) também está n'A Morte. Com o passar dos anos há melhorias pessoais. E negligências, para a festa ficar completa.
E realmente há uma linguagem secreta dos aniversários, não? Sim, e muito proveitosa. 26 de Dezembro é o DIA DO INDOMÁVEL, segundo o livro de Gary Goldschneider e Joost Elffers*. Dia em que o truque de espelhos é tão bem realizado que pode passar em vão se não houver uma conduta simbólica, digamos, para perceber até que ponto sigo a nossa bem-aventurança. O meu aniversário é um fato isolado, costumo dizer. Um dia fora do calendário. Não é nada mole celebrar logo depois do Natal, com a correria das festas e das viagens na pauta.
Calor demais. Saturno, meu velho, rindo da minha cara por me fazer ficar entre poucos: como planejar uma (outra!) festa numa época tão conturbada? Não dá, desde sempre é complicado. E nem sei se eu me dedicaria a algo do tipo, sabe? Tem sido o momento em que me retiro um tanto e reflito sobre o ano que passou. Mas reflito MESMO. Sobretudo em relação ao que não passou. Ou eu engulo nesse limiar de transformação ou eu trato, aquiagora, sem papas na língua e no coração. Um dia de poder pessoal. Sobre mim e sobre o mundo.
Calor demais. Saturno, meu velho, rindo da minha cara por me fazer ficar entre poucos: como planejar uma (outra!) festa numa época tão conturbada? Não dá, desde sempre é complicado. E nem sei se eu me dedicaria a algo do tipo, sabe? Tem sido o momento em que me retiro um tanto e reflito sobre o ano que passou. Mas reflito MESMO. Sobretudo em relação ao que não passou. Ou eu engulo nesse limiar de transformação ou eu trato, aquiagora, sem papas na língua e no coração. Um dia de poder pessoal. Sobre mim e sobre o mundo.
Sou adepto das Constelações do Tarô. Temos um arcano na soma de nossa data de nascimento. O meu é o 8, A Justiça. O fator oculto dessa lâmina, que é outra, é a 17, A Estrela. Minhas lições de vida, digamos. Além de uma miríade de Menores que também ensinam, jogam na cara e fazem gozar.
O TAROT, UM DIÁRIO
Tarot Journal | Traci Bunkers, 2007
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Deixei os cadernos pautados há anos. Não registro quase mais nada. Só os arcanos. E os arcanos servem, sim, como páginas de um diário. Começo básico: tire uma carta por dia. Conselho com duração de 24 horas, ou menos. Registrá-lo tende a ser importante para avaliar, no final do dia ou do mês ( ou no aniversário!) o quanto você respeitou aqueles símbolos e, ainda mais, como eles se fizeram presentes naquele período. Páginas da vida. Mecanismos de papel encerado para tonificar a alma. O Tarô aceita o papel de ossatura das crônicas de todos nós.
O aniversário, portanto, não é um dia triste ou preocupante. Sei d'As Moiras apalpando a textura do fio, claro que sei. Compactuo com Elas. Uma marcação temporal para o fatídico. Até porque o inefável dança entre nós. Aniversário é a data em que vale trazer à consciência o peso das experiências — jamais negar a vida, mas senti-la. De verdade. E afirmo, agora, que ninguém 'faz' aniversário. Ele é que faz a criatura. Instiga, entristece, encoraja, envelhece, enrola. Mas também enriquece. De sabedoria e de algum sabor que o pomo do tempo carrega.
Sei dizer que encarar a Ceifadora como a Parteira pode ser útil, pelo menos a nível pessoal. Não por conformismo de que tudo acaba. Essa noção pouco conforta, mas é uma verdade nua-dura-crua e necessária a ser assimilada todos os dias. Mas justamente por ser possível administrar a existência com várias cores diferentes. As responsabilidades e os significados estão aqui, por enquanto. Passar incólume ou inteiro por essa vida é um baita sintoma de preguiça e descaso. Há de se ter um gosto pelas próprias cicatrizes.
Presente? A capacidade de assumir as tolices, reconhecer as boas sacadas e saber o meu tamanho. 'Nem pra mais nem pra menos', como diz Bethânia. 'O meu tamanho.'
Agora vou lá renascer um pouco — ler e escrever vertiginosamente, obrigado — e dar atenção aos telefonemas, e-mails, à campainha e às cartas. Ah, as cartas. Aproveito para fazer os votos de que você, que me lê e estuda o Tarô com paixão, se comprometa ainda mais com ele. De verdade. E que o necessário, só o necessário, seja sinônimo de excelência. Sim.
Soul making.
Always.
Always.
L.
*A Linguagem Secreta dos Aniversários.
Editora Campus, 1999.