"...Um vasto conjunto de mitos, de tradições e de poemas celebra o cisne, ave imaculada, cuja brancura, cujo poder e cuja graça fazem uma viva epifania da luz. Há, todavia, duas alvuras, duas luzes: a do dia, solar e máscula; a da noite, lunar e feminina. Segundo o cisne encarne uma ou outra, seu símbolo inflete num sentido diferente. Se ele não se fragmenta e se quer assumir a síntese das duas, como é, por vezes, o caso, torna-se andrógino e, além disso, carregado de mistério sagrado. Finalmente, assim como existe um sol, e um cavalo negros, existe um cisne negro, não dessacralizado, mas carregado de um simbolismo oculto e invertido."
Chevalier e Gheerbrant são consultores para tarólogos no delicioso Dicionário de Símbolos. Delicioso é quando você lê críticas sobre determinado filme e acaba descobrindo que tudo não passa de um olhar espiritual e simbolicamente pobre de quem se preocupa com as indicações ao Oscar desse ano. CISNE NEGRO é o filme do momento. Li por aí que é um ritual mágico poderoso a ponto de livrar o espectador de todas as teorias furadas que levam a uma reflexão pessoal intensa. E válida, que é o mais importante. E é. Dá medo. Inspira o reconhecimento do inimigo interno, se querem bem saber. Aronofsky acertou em cheio.
Já assistiu? Prossiga. Não? Pare por aqui, se quiser.
Deslizo as considerações iniciais de uma discussão que ensaio agora.
Três arcanos pontuam, até o momento, o meu palco analógico. Nina confronta-se, é fato. A sombra furtando a cena. Dançam as penugens. Dita-se o DIABO nas instruções do mestre: o estímulo tonificado pela sensualidade. "Lição de casa: masturbe-se um pouco", permita-se o demônio da técnica. Nada tenso; tudo puramente sentido. Dentro. A legião oferta a noite à bailarina. Todo o tempo. A cor do cisne no lago revela a LUA. E é ali, no espelho, que a ferida é dúbia: quem, senão ela? A esquizofrenia impera nos detalhes. Lindamente. The little girl.
O balé de sangue é a poesia limítrofe ao corpo. Lá vem a sweet mom sapatilhar a incapacidade de Nina aguentar a pressão do Mundo... Até parece. É dela é que vem a perfeição. O MUNDO é da dançarina. É a dança. Completa em todo o seu esforço em ser ela mesma, de alguma forma entre o delicado e o selvagem. E superar-se, sentir a plenitude do perfeito, exige a morte. Mas seguida da luz dos aplausos.
Se você chegou até aqui e não viu o filme, tudo bem. Não deve ter entendido muita coisa. Se você chegou até aqui e viu, o que entendeu? A ideia é essa. A postagem é provisória. O lance é degustar o filme até surtir novos insights e captar aquela miríade de Menores ao longo das tomadas. Vamos lá.
Comente aqui no CAFÉ TAROT e também no Fórum LEITURA DE IMAGENS do Clube do Tarô, clicando aqui.
P.S: Valeu, Gi.
Ideias poderosas.
10 comentários:
Oi Leo! amei esse post. Conforme comentei, também percebo a presença da TORRE - num sentido de desconstrução do ego até a destruição física literal -
que é onde chega quando levamos o Arcano as últimas consequencias.
Também vejo o personagem do Treinador como o DIABO, além de ser o grande instigador desse processo de trazer a sombra a tona na personagem...
Ainda não vi o filme, mas estou vendo por aí que o lance está dando o que falar. Pelo que eu entendi, trata-se daqueles movimentos que a gente passa, e sofre um bocado, mas que parece cercado de fantasia e poesia dado à alegoria do filme, da música e da dança... eu fico pensando se, talvez, o que encante tanto para se pensar de forma mais profunda nesse filme, seja a questão de que mudanças e movimentos de Diabo e Torre, como dito no comentário acima, mexam tanto porque tem o tempero e o contorno da Arte.
vi o filme e até agora estou "degustando", é meio um soco, um tapa na cara de quem joga seus demônios para baixo do tapete e é desafiado a ressucitá-los. Na tríade de arcanos maiores, a me ver, faltou a torre, a persona idealizada de Nina que ruiu por um abalo do Diabo.
bjs.
Vi o filme, e também concordo que há muito de diabo e lua nele. È um filme que fala de sombra e de projeção, mas num terreno bastante minado que é o do processo de 'enlouquecimento'. Os cisnes branco e negro estão lá no arcano da Lua, representados pelos dois cães. Mas assim como os outros comentários,é inegável a presença da Torre. Não por acaso o cartaz promocional do filme mostra um close de Nina com uma grande rachadura no rosto.
não assisti ao filme, porém conheço bem le diable é terrivel, transforma-se em tudo, para reconhece-lo e combate-lo, só tendo a alma pura, do contrário, sucumbas...
Leo, não ví o filme, mas depois de conhecer o que ao menos no momento é viável de voce, de suas palavras tão oportunas, certamente irei. Deis uma olhada no seu blog em geral e só tenho a dizer parabéns e obrigado. Au revoir..
Leo, certamente depois do que lí aqui irei assistir o filme. Confesso que seu blog me deixou excitado, em todas as ascepções da palavra. Não pude ler ainda tudo, mas gostei de tudo que li. Obrigado e parabéns, au revoir...
Fui. É mesmo bárbaro, visceral, percorre desde a criação neurótica da mãe insatisfeita que deposita todas as expectativas na filha a solução de suas frustrações até a esquizofrenia que acaba eclodindo deste processo, passando pela inveja, pelo projetar no outro o que não se consegue viver ou mesmo enxergar em si mesmo, pelo auto-flagelo a que pode chegar a luta pela perfeição, bela e deplorável, irresistível e repugnante. Vida e morte. O desfecho comprova um insight que tive outro dia: não vejo medo real da morte em si, o que vejo frequente é o medo de viver e de não viver. Medo da morte é propaganda enganosa feita pela parte podre das religiões para limitar o viver, para encher seus cofres e lotar suas salas de pessoas sem respostas, até porque sequer têm a consciência de suas verdadeiras perguntas.
Um filme que jamais esquecerei. Provaca catarse imediatamente. Por se sentir completa (Arc. XXI), entragando-se a manifestando de sua sombra (Arc. XV), Nina pagou o preço com a Morte (Arc. XIII). Adoro seu blog.
Ótimo filme. Provoca catarse imediata. Ao quebrar sua tela de projeções(Arc. XVIII), Nina paga com a morte (Arc. XIII), o preço por se sentir completa (Arc. XXI), integrando-se com a própria sombra (Arc. XV).
Postar um comentário