Osho dialoga com o Tarô. Não só com o que leva o seu nome, mas com todos os tipos, de todas as épocas e cores. Hoje, há exatamente um ano e meio da publicação do primeiro artigo, eu apresento mais uma carta ao místico espiritualmente incorreto. Procuro por novas analogias em minha biblioteca mental enquanto tomo o sagrado café da tarde. Aliás, um café-tarot com direito a amigos e arcanos à mesa posta. São várias as semelhanças e as roupagens, algumas totalmente surreais. O discurso do mestre às lâminas prevalece como conchas no oceano. Ouso mudar a ordem das cartas: o Louco acima do Eremita. O penhasco, a escuridão. A montanha, a existência. Assim o jovem mergulha em si, já que “descobrir o seu ser é o começo da vida. Então, cada momento é uma nova descoberta, cada momento traz uma nova alegria.”
O Eremita e O Louco • Osho Zen Tarot
Sua luz ilumina a escuridão. Seu sorriso prenuncia o próximo passo. Não há medo algum. A queda do corpo? Bom, se estou mexendo com o Pendurado, então analisemos por outro prisma: A Nova Visão. Não é exatamente essa a intenção que deve obter o enforcado, crucificado e apostolado arcano 12?
O Pendurado de Marselha e a Nova Visão
Desde o artigo anterior tenho analisado o arcano 5, O Sacerdote. Polêmico, se compararmos a Osho. A briga é feia, dizem os mais desavisados.“Eu não sou um filósofo. Eu não sou tentando criar uma filosofia. Eu não sou um teólogo também. Assim, eu não tenho nenhum sistema de crenças.” Já adianto: não há como considerá-lo Papa se “todas as crenças são venenosas. Um sistema de crenças é um consolo, uma mentira muito doce, confortável e conveniente, pois dá segurança. A verdade só surge quando as crenças forem destruídas.”
Mestres em vermelho: Osho e O Papa de Marselha
Bueno, o Louco já está avisado: “A busca pela verdade começa quando você deixa de lado todas as crenças. Se você pode saber, se é possível saber, então porque se contentar em acreditar?” Quanto ao Eremita, “o pico mais alto da consciência é quando você é apenas um ser – sem nada fazer, imóvel, profundamente silencioso, como se não existisse mais. Subitamente toda a existência começa a derramar flores sobre você.”
Imagino uma das confortabilíssimas cadeiras de Osho frente ao Hierofante, cujos súditos voltam suas cabeças na direção do guru: “Vocês acreditam em alguma coisa, mas não sabem nada. Acreditam em teorias.” A santidade ficaria furiosa, creio eu. Os argumentos do Mestre sobre religião, papado e sacerdócio são fortíssimos. Convencem, até. São Francisco de Assis, por vezes “arcanizado” como Louco e Eremita, servirá para apresentar as novas idéias.
São Francisco de Assis, do Tarô dos Santos de Robert Place
O Eremita do Golden Tarot, de Kat Black
Peregrinação. “A vida deve ser uma busca – não um desejo, mas uma procura; não uma ambição para se tornar isso ou aquilo, o presidente de um país ou um primeiro-ministro, mas uma busca para descobrir “quem sou eu?”
Eis o diálogo: “você é tão sensível que até mesmo a menor folha de grama passa a ter uma imensa importância para você. Sua sensibilidade lhe deixa claro que a menor folha de grama é tão importante para a existência quanto a maior estrela. Essa folha de grama é única, é insubstituível, ela tem sua própria individualidade.”
Grama? O que temos ao pé do caminhante de Marselha?
Todos os diálogos possíveis, começando pela cor dos cajados
O quinto arcano fica entre eles
É clara a mensagem para o Louco de Assis: “Essa sensibilidade criará novas amizades para você – amizade com as árvores, com os pássaros, com os animais, com as montanhas, com os rios, com os oceanos, com as estrelas, pois a vida se torna mais rica na medida em que o amor cresce, em que a amizade cresce.”
São Francisco também caminha pela escura floresta ao lado de um gamo, na colagem primorosa de Kat Black. Autêntica comunhão com seus irmãos, os animais. Ele realmente existe, não foge de seu tempo, já que é o seu próprio tempo. Faço dele as palavras de Osho: “Nós pertecemos intrinsecamente à existência. Nós somos partes da existência, somos o seu coração.” É ele o espírito que liga os dois irmãos arcanos, sem deixar o humor de lado, já que é importante em qualquer fase ou relação, indispensável em qualquer jornada, até mesmo à interior. O Eremita marselhês sorri, você vê? Como um anfitrião que aguarda os (s)eus convidados. Uma festa dentro de si. São Francisco sabe que “a risada é a própria essência da religião”, que “a seriedade nunca é religiosa. A seriedade pertence ao ego, é precisamente parte da própria doença”, lembrando de quando se deparou com a lepra. Sermão aos pássaros, que voam livres como ele próprio.
São Francisco de Assis:
os três arcanos se encontram em nítidas senelhanças na pintura de Giotto
Leva consigo este ensinamento, que “toda brincadeira da existência é tão bonita que a risada é a única resposta possível a ela. Somente a risada pode ser a verdadeira oração, a gratidão”, enquanto o Louco se esgueira pra ouvir esta passagem. Pura identificação. Por falar no arcano zero de Ma Deva Padma, sabemos que ele não tem como voltar atrás – ele já deu o passo inicial, ou final. Sua trajetória, à mente comum é sempre desviar-se do penhasco, ou perguntar o motivo de tal “suicídio”. Mas sua jornada é como o mecanismo de uma piada, de uma consulta às cartas: “a história vai numa direção e, de repente, ela muda de direção!”
Nem falei que o Louco ri porque é óbvio. É assim que ele medita, pois “quando você realmente ri, durante aqueles poucos momentos você está num estado profundamente meditativo”. E ele ri de verdade, até o pensamento parar. Ele não, só o pensamento: continua dançando, pois “a dança e o riso são as melhores portas, as mais naturais, as mais facilmente acessíveis.”
Sannyasins rindo com o mestre
O Louco ouve: “se você realmente dançar, o pensamento pára. Você dança sem parar, girando, girando... e você se torna um redemoinho – todas as fronteiras, todas as divisões desaparecem. Você nem mesmo sabe onde seu corpo termina e onde a existência começa.” E ele salta. “Você se dissolve na existência e a existência se dissolve em você; há uma superposição de fronteiras” – como a do Eremita, por certo. Deve ser por isso que o velho de Assis nada possui: “se você é uma pessoa meditativa, você dá, você compartilha – você não acumula, você não é mesquinho. Como você pode possuir? Como você pode reclamar que é dono de algo?” Eis a indignação do Pontífice por sempre se encontrar rodeado de luxo e comodidades de suas capelas. Aliás, falando nelas, “não há necessidade de ir à igreja, ao templo ou à mesquita; onde você estiver, seja bem-aventurado, e o templo estará presente” – diz ao arcano sem número. Uma crítica, talvez, às instituições que convertem à base de dinheiro e lavagem cerebral. “O templo real é criado pela bem-aventurança”.
Sobre as técnicas espirituais, Osho é enfático. Louco. Renunciador. “Você precisa se lembrar de que tudo deve ser abandonado para que você permaneça em sua total pureza. Mesmo uma experiência espiritual corrompe; ela é um distúrbio” – e voltamos à lição essencial ao Caminhante. Pura metáfora para a humanidade sedenta por princípios e doutrinas. Meras conchas no oceano de tudo. E ele continuaria tranquilamente acomodado, movimentando sua xícara. Não há discussão que seja burlada pela verdade. Nem prazer maior que a renúncia.
Mais café?
Já trago. Com mais arcanos.
Leo
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