24 de fevereiro de 2007

A Consagração do Tarô



Mais um texto de Alejandro Jodorowsky. Mesmo sendo auto-explicativo, não expressa a opinião e a concepção geral dos tarólogos quanto ao tema. Qual é a sua?

As 78 cartas que compramos em uma loja não têm nenhum valor sagrado, nenhum poder: não são mais que cartas impressas. Para que elas atuem em e sobre nosso espírito, devemos carregá-las de nossos fluidos, fazer com que se tornem um pedaço de nós mesmo e de nosso corpo, ligá-las instintivamente ao nosso inconsciente.


Devemos atuar em sua companhia, fazendo do baralho um objeto de poder carregado de nossa afetividade. A primeira coisa a fazer consiste em manusear delicadamente o baralho e misturar as cartas incansavelmente durante horas sem pensar, sem olhar e sentir nada além, apenas deslizando as imagens entre os dedos. Isso nos permitirá saber que misturá-las é deixar-se influenciar. Então o tarô se torna um instrumento útil, musical, expressivo e receptivo, tão sensível quanto um pêndulo.

É recomendável passar cada carta lenta e pacientemente sobre cada parte do corpo para que se unam às vibrações de nossa matéria e se carreguem de fluídos biológicos, enquanto que recebemos de volta as ondas de suas formas. Levar as cartas a nossa boca e nariz: inspirar profundamente sua essência para, em seguida, expirar – exercícios que devem ser realizados nas duas faces de cada lâmina. É necessário dormir com cada arcano, um por um durante 78 noites e sempre com a presença do tarô próximo do corpo, de preferência na região do coração.
Com este tarô, não devemos nunca fazer uma demonstração para chamar a atenção ou admiração, ou mesmo utiliza-lo para fins que não tenham a ver com a prática da leitura.
Todos estes atos não possuem outra finalidade que atuar sobre o inconsciente. A falta de amor para com este modesto baralho de 78 pedaços de papel impresso, que deve ser visto como o mais belo diamante ou obra preciosa, proibirá a quem o possui de dominar totalmente a leitura.
É como uma gestação comparada a de um guerreiro que garimpa em busca de um mineral. Este anonimato permite a quem queira tornar-se seu autor, o que também explica a existência de tarôs poderosos, vulgares e delicados. Quanto mais sutilmente for esculpido o violino, mais bela será sua música.


Volto logo, com o lounge funcionando e mais cartas.
Bênçãos (sobre elas).
Zeke

8 de fevereiro de 2007

O Desenvolvimento do Imaginário

Alejandro Jodorowsky




O Tarô é um sistema que se constrói essencialmente com a imaginação. Ela introduz voluntariamente enigmas, distorções de formas, deixa alguns aspectos voluntariamente inacabados, recusa-se a acentuar alguns traços, faz sair os desenhos do quadro, rompe a simetria e coloca detalhes invisíveis a olho nu.
Os arcanos possuem o poder de evocar, por associação, outras imagens. Por exemplo, se observarmos a perna esquerda do personagem da Estrela, poderemos ver o avesso de um menino.

Na margem inferior da Lua, à esquerda da carta, aparece a cabeça de um dromedário, talvez. Isso tem, por objetivo, funcionar como uma atividade semi-onírica.

O investigador imagina o resto do desenho além do retângulo, em cada um dos arcanos maiores. A mesa do Mago se dá num triângulo. Quais outros elementos ela possui? Como é o seu quarto pé? Há um término da mesa ou é infinita? E o pé que se introduz no centro da mesa, até onde vai? Ao centro da Terra? Tem raízes? Comunica-se com o mundo subterrâneo? Até onde vai a parte amarela do chapéu que se
perde no céu? Como continua seu formato? O que toca o cotovelo do braço esquerdo? O que ele está olhando? Como é o resto da paisagem?

Imediatamente, a imaginação se ocupa de responder os enigmas que se encontram na carta.
O cinturão pode ser uma serpente? As mechas brancas podem ser de alguma luz do chapéu ou qualquer coisa que emerge de sua cabeça? O que o Enforcado segura em suas mãos? Esconde uma arma? Um livro secreto? Têm os punhos algemados, cortados?
Quais as energias que estão contidas na Torre? Que encontramos em seu interior? As chamas saem de dentro dela ou entram? É fogo? Uma entidade? Um ruído? Como é o corpo do personagem nu? Que há por trás do véu da Sacerdotisa?

O condutor do Carro é um príncipe, um hermafrodita, um anão sobre uma cadeira? Tem a potência dos dois cavalos? Ele está dirigindo?
Teria o Carro raízes? As colunas chegam até o céu? Os rostos sobre seus ombros falam? De onde vieram? Até onde vão?
O Eremita levanta uma lamparina cheia de sangue?





Alejandro Jodorowsky é cineasta, escritor e dramaturgo. Restaurou o Tarô de Marselha em parceria com Philippe Camoin, mestre em cartas e descendente do último tipógrafo do baralho. Além de seus filmes e trabalhos envolvendo a “Psicomagia”, mantém sua rotina intelectual escrevendo histórias em quadrinhos (destaque para Bórgia, de Milo Manara), novelas e obras para o teatro. Nasceu em 1929 no Chile e atualmente vive em Paris.


Que tal esfregar as cartas na pele?
Volto já, com mais uma tradução.

Zeke