12 de novembro de 2006

SORTE OU PURO ACASO

Mesmo diante de todas as vertentes e temas esotéricos que fizeram minha cabeça na pré-adolescência – o arsenal wicca, os livros trocados entre amigos, os grimórios confeccionados, as pesquisas em bibliotecas, as histórias de alguns conhecidos e o vasto cardápio de textos repetidos da internet – os oráculos me fascinavam há mais tempo. A cartomancia, especialmente. Talvez pelas tardes em que uma senhora abria um baralho em leque sobre a mesa da cozinha e montava pirâmides com as lâminas enquanto minha avó ouvia atenta. Eu não tinha idade, diziam as mulheres da casa, para escutar o que a cartomante revelava - mas curiosidade o suficiente para assistir de longe às posições que Reis e Rainhas assumiam.

Até então via o tarô como um instrumento secreto, exclusivamente mágico – adjetivo que sempre me deixou com cara de origami – que jamais poderia aprender a ler, decifrar e conversar com aquelas figuras tão estranhas se eu não fizesse parte de alguma "panela mística". Tempos depois, e com todas as sincronicidades à parte, a bibliografia tarológica começou a surgir em minhas mãos. Aprendi sozinho. Estudos, analogias, sensações e muita dedicação.

Na varanda eu passava horas olhando cada trunfo, o que talvez instigava os mais chegados a perguntarem como funcionava. Fácil nos primeiros tempos foi poder experimentar os jogos, com a sorte de ter "cobaias" de cabeça aberta e sem medo dessas coisas. E lá foi o meu "garoto", várias vezes colocando Torres, Julgamentos e Carros pra quem quisesse ver e ouvir. Adoravam. Já meus pais não entendiam muito bem, pensando que eu não era como os outros garotos da turma. Qual o problema? Gostos e aptidões não eram e continuam não sendo discutíveis. Não os meus, pelo menos.
É interessante comentar que nunca achei que tarô fosse “coisa de mulher”, como uma consulente arriscou. Bobagem pouca, já que depois de alguns séculos borbulhando no caldeirão de várias escolas iniciáticas, esse oráculo finalmente se vê livre de tais distinções – os sexos se encontram nos arcanos, assim como entre os leigos e profissionais. Democrático, eu diria. Outro grande barato – ou caro, para alguns – é o exercício da imaginação, já comentado pelo oculista Oswald Wirth: mergulhar no simbolismo e emergir no inconsciente, de mãos dadas com o desenvolvimento intuitivo – ofícios do adivinho.

A cada dia aprendo a ouvir suas histórias, tendo-o como um sistema que responde por si próprio. Cada arcano um mundo, um baú de palavras, uma página, um retalho. Com o tarô evoluindo artística e conceitualmente, seguem os eternos estudantes e buscadores a partir da história, da poesia, dos filmes, dos jogos, das crenças e das pessoas. Através desse espelho cultural de infinitos reflexos, as formas e os significados florescem. E claro, continuam me surpreendendo.
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Leonardo Chioda

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